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quinta-feira, agosto 28, 2008

Festival Calango 2008

O festival Calango, que mais uma vez aconteceu lá em Cuiabá – MT, no começo de agosto, é um dos principais eventos do calendário independente nacional, e na edição 2008 caprichou a receita, avançando tanto em tamanho quanto na escolha do line-up, além de aumentar e diversificar sua estrutura física, o que deixou mais opções em aberto para a platéia, além do óbvio programa de shows.


Tatá Aeroplano, à frente do Jumbo Elektro
Fotos deste Post: Renato Reis
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Principal evento da música jovem do estado, o festival abrigava uma mini-pista de dança para b-boys, campeonato de Guitar-Hero, estúdio de tatuagem, lojas de moda-rock e dos principais selos do novo pop brasileiro, transmissão simultânea para a web-rádio, além de sediar o primeiro congresso nacional Fora do Eixo. Tudo isso espremido numa semana de seminários, debates, conversações e três dias de shows.

Mais de quarenta bandas se apresentaram nos dois palcos, e se o grupo baiano Cascadura, escalado como “atração principal” de sexta-feira, não conseguiu segurar a multidão madrugada adentro, os franceses do Papier Tigre – guitarras, vocais e bateria – também não conseguiram mais do que uma atenção curiosa para seus experimentos noise. Já a apresentação do Diego de Moraes e o Sindicato ganhou pela diversão. Não exatamente a do público, mas a deles. O que acabou se desdobrando em diversão também para um número cada vez maior de espectadores.

Diego de Moraes estava tão à vontade no palco que, confessou mais tarde, chegou a chorar, comovido com uma lembrança do pai. E mesmo que problemas técnicos escondessem guitarras, o coletivo de músicos que se ajuntou ao redor do jovem compositor cuiabano-canedense soube manter a base sólida para suas performances líricas corrosivas e, ao mesmo tempo, simpáticas. Depois do Diego, o MqN assumiu o palco ao lado e, sem muitas surpresas, convulsionou a multidão à frente, com um set parecido com o do último Porão do Rock, em Brasília.

Cheguei mais cedo na sexta para, curioso que estava, conferir o Ebinho Cardoso Trio, grupo de jazz instrumental liderado por uma lenda local do contra-baixo. Mas o apuro frio da técnica extrema, que os músicos de conservatório se orgulham em exibir em ocasiões assim, nunca conseguiu me comover. Arranjos herméticos em melodias tão assépticas não servem para quase nada (a não ser para o gozo autista do culto a si próprio). Alguém matou a charada quando disse: “Músico de jazz, pra mim, tem que ser viciado em heroína” .
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Diego de Moraes
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Já a outra atração instrumental da noite não poderia ser mais diferente. A Pata de Elefante é uma das melhores bandas de rock do Brasil e, a despeito de não ter um vocalista, circula pelos festivais com a desenvoltura dos veteranos, cultivando fãs de norte a sul do país. O problema é que meia-hora para um show dos gaúchos não é nada, e depois de apenas cinco músicas, você acaba desejando que a próxima banda do programa, no caso o Garage Fuzz, se calasse.

Porém, o melhor show da sexta feira foi do septeto paulistano Jumbo Elektro. O vocalista Tatá Aeroplano, um genuíno show-man, transformou a arena do Calango numa imensa pista de dança, numa combinação festiva de electro-rock, new wave e disco-music. Durante os quarenta minutos que o grupo permaneceu de posse do palco, a caravana aglomerada dançou e suou o que podia, numa ovação tão franca quanto podia ser.

Já no sábado o Hurtmold fechou a noite, perto das quatro horas da madrugada, sob olhares atentos de um público composto, pelo menos a metade, por jornalistas e integrantes de outras bandas, o que dava umas quatrocentas pessoas no total, já que somente de convidados, entre músicos e imprensa, o festival levara mais de duzentas pessoas à Cuiabá.

A seqüência que culminou no show do Hurtmold foi a melhor série dos três dias de festa, e começou lá no meio da noite com a banda argentina El Mato a um Policia Motorizado, responsável por uma das apresentações mais intensamente emocionantes do festival. Uma profusão “desordenada” de guitarras e microfonias se confundindo por entre melodias tão singelas quanto tocantes, enquanto o charme lo-fi escondia baixo e bateria por entre as camadas de noise, num set que fundia a candura nerd do Weezer com a intensidade e ousadia do Sonic Youth, debaixo de uma inconfundível sotaque hermano.
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Hurtmold
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Depois dos argentinos, o paulistano Cérebro Eletrônico soube apagar toda a má impressão que havia deixado pra trás no show do último Bananada. Novamente no palco, Tatá Aerolpano pôs mais uma vez à prova toda sua “camaleonice” artística. Despido da verve eléctrica de seu grupo “principal”, o Jumbo Elektro, e investido do suígue de uma espécie de novíssima-mpb – ora melancólico e nacional como Sérgio Sampaio, ora empolgado e universalista como o próprio Jumbo Elektro –, o grupo arrancou aplausos empolgados da arena lotada, enquanto Fabrício Nobre (vocalista do MqN), e a turma do site Trama Virtual saltitavam emocionados, acompanhando, em alto e bom som, todas as letras cantadas por Aeroplano.

O Macaco Bong, o produto mais bem acabado dessa novíssima safra cuiabana, seguiu o programa jogando para a torcida, e se a guitarra sinuosa e erótica de Bruno Kayapy é suficiente para confirmar que a Música não vem dos conservatórios, a precisão improvisada da cozinha poderosa do baixista Ney Hugo e do baterista Ynaiã Bentrholdo deitou uma pá de cal sobre a soberba da erudição acadêmica. E o público não poderia reagir melhor ao amontoado lascivo de melodias insinuantes – recortadas por rompantes violentos de virilidade –, e respondeu com gritos e pulos entusiasmados ao instrumental poderoso do trio, que acaba de ser convidado para a sétima edição do Pop Montreal Festival, no Canadá.


Macaco Bong
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O produtor do festival canadense, Daniel Seligman, acompanhou de perto o último Goiânia Noise Festival, como convidado da produção, e depois de conferir o Macaco Bong em ação decidiu por incluir o conjunto no line-up, ao lado de nomes como Burt Bacharach, Nick Cave, Hot Chip, Black Kids, Crystal Castles, e Dan Deacon (o Móveis Coloniais de Acaju sofreu sorte parecida, e por conta de seu show nessa mesma edição do Noise, foi parar na programação do festival belga Pukkelpop, ao lado de Metallica, Bloc Party, Soulfly, Killers e Sigur Rós)


Os gaúchos do Walverdes não apareceram, culpa de uma pneumonia que atacou o guitarrista Mini ainda em Porto Alegre, mas os pernambucanos do AMP cumpriram exemplarmente o papel de esporro-da-noite, num show de guitarras barulhentas explodindo entre espasmos graves de tensão melódica. O tipo de set pra quem daria um braço por uma apresentação dos Hellacopters.

Os cariocas do Do Amor são mesmo uma banda especial. Se orgulham do lugar que ocupam na “vanguarda” do rock brasileiro, enxertando conceitos estranhos ao gênero e criando sua versão para uma espécie de pop-antropológico nacionalizado, onde o diálogo de ritmos regionais com estéticas “universais” é mais importante que o próprio resultado, relegando ao prazer-do-ouvir um caráter quase zoológico.

Outros grupos, menos afetados e bem mais espontâneos, já conseguiram efeitos, no mínimo, mais genuínos. As paraenses La Pupuña e Cravo Carbono, pra ficar somente em dois exemplos, conseguiram capturar essa troca do regional com o “metropolitano” com muito mais propriedade, e ainda que não recebam os mesmos holofotes que a versão carioca do tema, estão anos-luz à frente de seus colegas.



Curumin
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O último dos três dias de shows reservou seu horário-nobre para o Vanguart, que, a julgar pela reação da platéia de uma madrugada de domingo, é mesmo a estrela máxima do rock cuiabano. O grupo de Hélio Flandres emula, até que com certa personalidade, a mítica das folk-songs dos anos sessenta, atribuindo um suave verniz pop para suas canções-quase. Semáforo, seu único hit, seria uma música razoável, não fosse tão recomendada. Mas desde que o quinteto foi “descoberto” e se mudou para São Paulo que um pequeno culto indie se formou a seu redor, e a despeito do mastigar de clichês e das limitações óbvias que seu primeiro disco escancarou, parte da crítica especializada se derramou de amores pela next-big-thing de botequim, e atribuiu aos rapazes uma carga maior que sua música pode suportar. Não fosse o farfalhar deslumbrado e inexplicável de parte da imprensa, a música do Vanguart passaria facilmente despercebida diante da dos artistas mais significativos desse mesmo circuito de festivais.


Antes do Vanguart a paraibana Cabruera exorcizou seus demônios num caleidoscópio sonoro tão abrangente quanto dançante e suarento. Antes mergulhada numa instrumentação tradicional, que envolvia acordeom, pandeiro, violão e, no máximo, um contra-baixo, a Cabruêra de hoje é essencialmente elétrica, munida também de guitarra e bateria, e o caldo psicodélico que eletrifica o coco paraibano e conecta o forró às pirações liquefeitas do dub jamaicano e do soul americano, surtem um efeito tão entorpecente quanto intrigante. Sampleando repentes e ecoando seus versos numa espécie de transe mântrico, o vocalista Arthur Pessoa se veste da carne do personagem e emoldura o sertão da Paraíba numa combinação eletrônica de elementos da cultura popular do interior do Brasil.


No começo da noite, o instrumental pesado de recortes precisos e riffs perfeitos da paulistana Elma foi a primeira coisa a fazer sentido no domingo, seguida de perto pela Revoltz, quarteto cuiabano que confere um delicado sabor jovem-guarda à sua new wave saltitante. A cearense Fóssil, mergulhando cada vez mais fundo em atmosferas geladas e ambientações intensamente etéreas, forjou paisagens instrumentais oníricas para os dois mil humanos que habitavam, espalhados, a arena do centro de eventos Pantanal.

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Fóssil
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Mais tarde, e em outro palco, o multi-instrumentista Curumin cometeu o show de seu disco mais recente, o empolgante Japan Pop Show, que condensa debaixo de signos pop, o rock, o dancehall jamaicano, o funk carioca e até o R&B americano. Basicamente com o mesmo set que apresentou na última edição do Bananada, em maio último, o músico chegou a abandonar a bateria para se apoderar do cavaquinho, instrumento que também domina. Antes dele, a mineira Porcas Borboletas, apresentando músicas novas, deixou escapar algumas pistas sobre como vai soar seu segundo disco. Em Um Carinho com os Dentes, o debut lançado em 2005, o grupo reprocessa elementos da emepebê marginal com disfarce rock n’ roll, mas para esse próximo disco há quem aposte numa visita ao lado mais vanguardista do rock brasileiro de vinte e poucos anos atrás, um olhar insidioso sobre os momentos mais inspirados daquele velho Titãs dos anos oitenta.


Numa maratona tão cansativa quanto recompensadora (e eu não estou falando em Cubo-Cards – a moeda oficial do festival, aceita para compra de praticamente tudo, dentro dos limites do centro de eventos Pantanal), o Calango merece receber os louros e elogios à sua edição mais caprichada, que além da programação convidativa, reuniu pela primeira vez (quase) todos os coletivos que movimentam de fato a nova música brasileira, filha direta e orgulhosa do circuito de festivais, além de sediar a tradicional reunião da ABRAFIN – Associação Brasileira dos Festivais Independentes, onde produtores de todo o país trocam informações, deliberam demandas e, principalmente, se ajustam numa saudável competição pelo melhor festival do ano. O Calango, até agora, tem boas chances de levar esse troféu para Cuiabá.



quinta-feira, agosto 21, 2008

Maré a Favor

# Cumprindo pauta para o projeto de uma revista que tenta sair da gaveta, fui atrás do último disco da Adriana Calcanhoto. E não é que o álbum vale a pena? Olha só:
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David Bowie?
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Maré – Adriana Calcanhoto
Sony-BMG – 2008

Maré é o oitavo disco da carreira de Adriana Calcanhoto, e o segundo do que a cantora batizou de trilogia do mar, iniciada dez anos atrás com Marítimo. Com canções de Waly Salomão, Dorival Caymmi, Péricles Cavalcanti, Antonio Cicero, além de Dé Palmeira, Bebel Gilberto e Cazuza, mais parcerias e assinaturas próprias, Calcanhoto mergulha numa aparente calmaria acústica, mas que esconde tensões líricas e eletrônicas, tão sutis quanto certeiras.

Abrindo o disco, a faixa-título se apresenta em intenções noturnas, iluminadas pelo balanço bossa-nova dos violões dela e de Moreno Veloso, seguida de perto pela parceria com Dé Palmeira, Seu Pensamento, em que entre discretas filigranas eletrônico-acústicas a cantora desfila toda a sensibilidade dramática de sua voz delicada e penetrante.

Embelezada pelo cello grave e solene de Moreno, Teu Nome mais secreto (última parceria dela com Waly Salomão) segreda entre dedilhados de violão: “Só meu sangue sabe tua seiva e senha/ E ri das margens cegas de tuas elétricas ribeiras/ Senhas de tuas grutas ignotas”.

Porto Alegre, de Péricles Cavalcanti, apesar de ser uma das melhores canções do álbum, quase não entra no corte-final. Encomendada por Adriana a Péricles, acabou deixada de lado por não “caber” no disco, e só foi retomada depois, por acaso, em alguns ensaios em que o guitarrista Kassin atribuiu um sabor de guitarrada paraense aos arranjos da canção que, apesar do nome, homenageia o mito grego de Calipso, a ninfa do mar, e acabou ganhando a companhia luxuosa da voz de Marisa Monte.


Rodrigo Amarante colabora com o piano elegante de Para Lá, onde, entre os arranjos líquidos da guitarra do produtor Arto Lindsay, a letra de Arnaldo Antunes contempla o particular no infinito: “E a montanha iniste em ficar lá, parada/ A montanha insiste em ficar lá, para lá, parada/ Parada.”

Com Maré Adriana Calcanhoto se afasta ainda mais de sua faceta de maior sucesso, da época do disco de seu alter-ego infantil Adriana Partimpim, e se assume como cantora “cult”, desinteressada das multidões e mergulhada num universo literário-musical nada popular, mas tão sensível e notável quanto misterioso.
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terça-feira, agosto 19, 2008

Porão do Rock!

# Por dois dias inteiros, no despertar de agosto, Brasília voltou a ser a capital brasileira do rock. Pelo menos para as dezenas de milhares de humanos que enfiaram a mão no bolso e de lá tiraram alguns poucos trocados (os ingressos estavam realmente baratos: R$ 10,00 a pista, e R$ 30,00 o camarote) para garantir presença no estacionamento do estádio Mané Garrincha, e de lá poder conferir cada uma das quarenta e duas bandas escaladas para os três palcos do festival.
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Black Drawing Chalks
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“Conferir cada uma” é modo de dizer, já que além da maratona impossível, o palco Pílulas não calava seus alto-falantes nem quando algumas das maiores atrações, lá num dos dois palcos principais, roubava quase que toda a atenção do mar de gente, e deixava pouca (ou nenhuma) audiência para o picadeiro-acessório. Aliás, conferir as atrações do palco pílulas era quase um exercício de fé, já que para chegar até lá era preciso atravessar uma imensidão de adolescentes com bandanas na testa (na sexta feira), e uma descomunal aglomeração de teens com roupas coloridas e penteados suspeitos (no sábado). E se o palco Pílulas ficava longe demais dos outros dois para permitir um deslocamento confortável dos esforçados que faziam questão do “rodízio” de shows, estava perto o suficiente para competir com o som dos outros palcos, e obviamente levava desvantagem. Além disso, o pessoal da pista não parecia lá muito satisfeito com a distância da grade que os separava da arena principal.


Depois da inauguração oficial dos trabalhos com o baticum metaleiro da carioca Sayowa e dos stand-up comedies da turma heavy metal – das bandas Vougan e Almah, acabei “perdendo” os quatro shows da seqüência, mas depois de subir e descer as escadas várias vezes, cheguei a tempo para o show da paraense Madame Saatan, que com a presença de palco lasciva e voz poderosa da vocalista Sammliz, escoltada por um instrumental tão pesado quanto bem-acabado, fez a melhor apresentação de uma noite que ainda teria Suicidal Tendencies como atração-principal.


Madame Saatan

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Mal o Madame Saatan deixou o tablado, e o MqN, no palco ao lado, deu início ao seu tradicional desfile bilíngüe de palavrões, e apesar de mastigar um repertório com poucas novidades, o poder de fogo do quarteto ainda tem um calibre respeitável. Breakin’ Crystal Stones, música nova e dona do melhor momento do set list, insinua um suingue cardíaco e tenso, sobrecarregado nas linhas de baixo e com riffs de guitarra tão pesados quanto sensuais, conectando o MqN ao lado mais dançante do Grandfunk.


No começo da noite, a também goianiense Black Drawing Chalks havia tomado posse do palco pílulas, e mesmo que o público ainda não fosse exatamente uma multidão se acotovelando, o rock veloz e discípulo de Corrosion of Conformity do conjunto conseguiu atrair a atenção de muita gente. Aliás, a BDC, que tem viajado com freqüência pelo circuito indie nacional, é dona de um dos melhores discos do rock goiano de 2007 (Big Deal).


No segundo dia de festa, depois de, sem querer, deixar passar curiosidades como o projeto-encontro de Gabriel Thomaz, do Autoramas, com o pessoal do Móveis Coloniais de Acaju, batizado Vai Thomaz no Acaju (que foi a segunda atração do palco principal), quem mais chamou a atenção do sábado pré-Muse, foi mesmo o grupo titular de Gabriel, que apesar da pecha de maior nome do independente brasileiro, assume uma postura de “banda grande” e recebeu da enorme caravana amontoada, uma reação mainstream, com direito aos célebres gritinhos histéricos, acenos frenéticos e centenas de lentes digitais apontadas em sua direção.


O Mundo Livre S/A é o último bastião de um movimento corroído pelo tempo e pela depauperação estética de seus “seguidores” pós-manguebeat, mas ainda é capaz de grandes momentos em cima de um palco, e mesmo que o discurso socialista-pop de Fred 04 seja cada vez mais anacrônico, sua música permanece viva e dotada de um frescor tão genuíno quanto universal. O MLS/A brinca com maneirismos regionais que conseguem capturar, com a mesma naturalidade, elementos do pop e do punk, sem forçar a barra, nem soar como qualquer tentativa rançosa de resgate da tradição.


Depois de a Pitty mais uma vez “causar” no backstage, durante a coletiva que deu ao lado de Fred 04 (deixando a turma do colegial, colada na grade do lado de fora, pra lá de emocionada e reagindo instantaneamente a qualquer mínimo aceno da moça), e levar consigo quase metade dos jornalistas ao deixar a sala de imprensa às pressas, pronta para assumir o palco, eu fui procurar algo pra comer. Estava morto de fome àquela altura.

Muse
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Por volta da meia noite e meia, o Muse aparece no palco e toma para si a multidão de aproximadamente vinte mil pessoas. Knights of Cydonia estoura nos ouvidos enquanto Matt Bellamy observa o mar de gente pular. O Muse já não pode mais ser acusado de ser mera derivação do Radiohead, e o grupo aparentemente faz questão de se distanciar da pecha mergulhando cada vez mais fundo numa receita singularíssima que envolve, em proporções perfeitas, heavy metal, dance e electro-pop oitentista, indie-rock, e rock progressivo.
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Seguiram-se Hysteria, Dead Star e, numa explosão de êxtase coletivo, Supermassive Black Hole criou a maior pista de dança do planalto central. Lá na frente, depois da grandeza épica de Invincible, o trio ensaia uma introdução Bossa-Nova para Time is Running Out e se despede com Plug In Baby.


Depois de desencontrados pedidos de “Bis!” e “Mais um!”, o grupoo volta ao palco e enumera Starlight, Stockholme Syndrome e Take a Bow, se despedindo sob violentos jatos de fumaça e uma chuva de dezenas de gigantescas bolas brancas atiradas do palco, que percorreram a superfície do mar de gente até serem estouradas e provocarem uma chuva prateada de papel picado, criando um belo efeito para o fim de uma apresentação apoteótica.


Mesmo sem trazer todo o equipamento cênico de seus tradicionais espetáculos, em sua primeira visita à América Latina, o Muse soube se comportar em palcos brasileiros, e cumpriu à risca a cartilha do pop-star gringo em território tupiniquim: aprendeu a dizer “obrigado” no camarim, e encomendou uma bandeira nacional e uma camisa da seleção do Brasil, “estrategicamente” deixadas sobre o bumbo da bateria, durante o bis.


De longe o melhor show da maior edição do Porão do Rock. Depois de boatos não-confirmados sobre Queens of the Stone Age e Black Crowes, o festival finalmente deu sua cartada certeira e, provavelmente, leva para si o título de festival independente mais importante de dois mil e oito.


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# Mas por falar em festival mais importante, você já deve estar sabendo das novas atrações confirmadas para o próximo Goiânia Noise, né? O clássico grupo do underground escocês The Vaselines (que já encantou gente como Kurt Cobain – que gravou algumas canções do grupo com o Nirvana: Molly’s Lips, Son Of A Gun e Jesus Doesn’t Want Me For A Sunbean), vem acompanhado por metade do Belle and Sebastian – o guitarrista Stevie Jackson, o baixista Bobby Kildea e o baterista Richard Coldburn – fazendo às vezes de banda de apoio.


Tudo bem que se a equação fosse invertida, eu estaria vos digitando essas linhas com bem mais entusiasmo, mas ainda assim não deixa de ser uma grande oportunidade para conferir a pequena lenda indie européia, extinta desde o começo dos anos noventa e recém-reformada, em ação.


As outras atrações internacionais já confirmadas para o GNF são, como você bem sabe: Circle Jerks (EUA), Black Mountain (CAN), Imbyra (USA), Black Lips (EUA) e Flaming Sideburns (Finlândia), além do eterno-Los Hermanos Marcelo Camelo, acompanhado pelo Hurtmold. Algumas outras bandas gringas ainda devem ser confirmadas, provavelmente algumas de nuestras hermanas latinas, argentinas e chilenas. É aguardar pra ver.


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# Por falar em grupos argentinos, desde que voltei de Cuiabá, do festival Calango, que me martela aqui na cabeça um nome: EL Mato A Um Policia Motorizado. Conheci a banda já em cima do palco (o que tinha ouvido, de orelhada, não me chamara a atenção) e fiquei realmente impressionado. Fui ouvir os discos de novo e começo a entender o meu erro. Tudo bem que as gravações não façam, nem de longe, frente ao poder do conjunto ao vivo, onde o arrebatamento se dá numa profusão noise de lembrar os momentos mais chatos do Sonic Youth, com um poder melódico tão tocante quanto explosivo, de lembrar os melhores momentos de grandes melodistas como Teenage Fanclub e Nada Surf. Rock pulsante, barulhento e comovente. Na volta boto aqui um texto completo, contando tudo sobre o festival cuiabano.




# E o Violins acabou de novo. Como divulgado dias atrás, o dono de alguns dos melhores discos do independente nacional dos últimos anos, anunciou novamente sua aposentadoria precoce, e agora o negócio parece ser sério. Mesmo assim, para cumprir compromissos previamente assumidos, o grupo faz seu último show oficial na cidade de Brasília, na quinta feira, dia vinte e um, no espaço Brasil Telecom. Num papo online com o Thiago Ricco, baixista da banda, soube que Beto Cupertino, ele e Pedro Saddi devem assumir outro nome e, ao lado de um novo baterista, partirão do zero num novo projeto que pretende se distanciar da sonoridade criada pelo Violins. Alguns nomes já estão cotados para assumir as baquetas, assim que qualquer um deles se confirmar, você fica sabendo aqui nessa mesma tela.




# O Loaded, o melhor podcast do circuito independente nacional, está concorrendo ao Prêmio Podcast 2008, que vai laurear os programas mais ouvidos/votados. Você, leitor esperto, provavelmente já conhece (e gosta) da bagunça web-radiofônica aprontada pelos chapas Valter Resende e Alexandre Moreira, sempre recheada com novidades e pérolas do nosso cancioneiro pop. Portanto não disfarça, e clique aqui para gastar alguns segundos do seu precioso tempo de conexão para votar no Podcast dos rapazes. Por que eles merecem.



Devo ter esquecido de dizer algo, mas fica pra próxima. Volto já, pra falar sobre o festival Calango. Tchau!
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P.S.: As fotos, humm, sui generis que acompanham a segunda parte deste post foram tiradas do ffffound.com por sugestão do amigo e colega blogueiro Ulisses Henrique, mistura de nerd com geek que sempre descobre coisas legais na web.

quinta-feira, agosto 14, 2008

Promessa é dúvida!

* De volta à Goiânia, depois de um fim de semana tão cansativo quanto recompensador. E eu não estou falando de Cubo-cards.




Gustavo Vasquez (MqN)
no palco do festival Calango 2008




# O festival Calango, em Cuiabá, começou na sexta feira – como já comentei numa meia-dúzia de palavras ali no post de baixo, e invadiu o sábado com vontade. Numa seqüência capaz de dominar o mundo (ou, pelo menos, a atenção das duas mil pessoas que transitavam pelo centro de eventos Pantanal), a espantosa banda argentina El Mato Un A Policia Motorizado, a paulista Cérebro Eletrônico, a cuiabana Macaco Bong e a também paulista Hurtmold, fizeram os melhores shows da noite, cada uma a seu modo.

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Mas não dá pra não destacar o Macaco Bong tocando em casa. Acho que nunca vi uma platéia tão empolgada numa apresentação de música instrumental (nem no show deles próprios no Calango do ano passado). Bem, talvez já tenha visto algo parecido numa apresentação da Pata de Elefante em Goiânia, num minúsculo, acolhedor e completamente lotado teatro Zabriskie, alguns anos atrás. Mas se o trio cuiabano tem o mesmo vigor da banda gaúcha (o que já é incrível), ainda tem a vantagem honorável do talento superlativo de Bruno Kayapy, que é o mais criativo guitarrista dessa nova música brasileira que ferve pelos festivais do país.

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No domingo, também houve uma seqüencia que me prendeu em frente aos dois palcos, mas ela aconteceu num crescente, que começou com o instrumental pesado e preciso do grupo paulista Elma, seguiu com a new wave de sotaque ingênuo e brasileiro da Revoltz, continuou com as atmosferas geladas e sobrecarregadas da cearense Fóssil, e deu uma brochada com os tiozinhos violeiros do siriri e cururu, improvisados (e muito mal microfonados) para tapar o buraco deixado pela Snorks (a gaúcha Walverdes, apesar de escalada para o sábado, também não havia aparecido, aparentemente por causa de uma pneumonia), e recomeçou com a mineira Porcas Borboletas e o paulistano Curumin. Lá na frente, ainda deu pra pescar o show do Cabruêra, apesar da aglomeração mal-cheirosa do público universitário de saia-rodada e sandalinha-de-couro.

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Mas a história toda eu conto na volta, depois que explicar por que o show do Muse foi mesmo, de longe, a melhor apresentação do Porão do Rock.

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sábado, agosto 09, 2008

Freak Cat

· Goiânia Rock News “ao vivo” da arena do festival Calango, em Cuiabá.


Jumbo Elektro


Cheguei na cidade mais quente do centro-oeste ontem pela manhã, e depois de suar alguns litros entre restaurante e hotel, fui ouvir o que o festival Calango tinha a oferecer. Os melhores shows do primeiro dia foram, de longe, do poderoso trio gaúcho Pata de Elefante (que daqui segue para dois shows em Goiânia, na fim da semana que começa amanhã), e do septeto paulista Jumbo Elektro, mas os franceses do Papier Tigre também merecem algum crédito, pelos recortes precisos e violentos que, antes de encherem o saco, insinuavam reminiscências de At the Drive In e até Fugazi.

O MqN teve uma resposta de público surpreendente, daquelas com roda de pogo frenética, dedos em riste e muito cheiro de suor, e o Diego de Moraes, que está cada vez mais à vontade no palco, também conseguiu um lugar entre os destaques da noite, num show tecnicamente prejudicado (o som das guitarras se perdia com frequência), mas tão genuíno que mereceu a simpatia espontânea de uma platéia atenta.

Agora, espio pela janela à minha frente o Hey Hey Hey, banda de Rondônia que se apresenta no palco que fica lá do outro lado do espaçoso centro de eventos Pantanal. Mais tarde a boa pedida será um lugar confortável para assistir às apresentações, geralmente, impressionantes do trio local Macaco Bong e do grupo paulistano Hurtmold. Mas, como já disse aqui nessa mesma tela, quero conferir novamente e com carinho aos shows do Cérebro Eletrônico (banda que divide seus integrantes com o Jumbo Elektro) e Do Amor, que não me impressionaram em (quase) nada nas apresentações que fizeram na última edição do festival Bananada, apesar de suas gravações sugerirem o contrário.




Na volta desovo tudo o que tenho pra te contar sobre o Porão do Rock, junto com tudo o que de melhor aconteceu aqui nessa que é a maior edição do festival Calango

Pegar mais uma cerveja ali. Até!

terça-feira, agosto 05, 2008

Air Guitar

# No último fim de semana aconteceu lá em Brasília mais uma edição do festival Porão do Rock, que ofereceu, em três palcos, uma tonelada de shows, e entre eles algumas apresentações realmente empolgantes. Goiânia Rock News esteve lá na arena montada no estacionamento do estádio Mane Garrincha, acompanhando os dois dias da festa indie candanga, e se o show do Muse foi mesmo aquilo tudo, o do Suicidal Tendencies só não foi decepcionante por que não dava pra esperar nada demais do “combo” hardcore californiano. Já, já volto aqui pra dizer, de maneira mais detalhada, como foram os dois dias de guitarras barulhentas debaixo do céu seco do planalto central.



Vudú

# No sábado imediatamente anterior ao festival brasiliense, a Fósforo Cultural (selo/coletivo goianiense dos mais ativos do independente nacional) comemorou, lá no Martim Cererê, seu segundo ano de vida, numa festa com direito a bolo-guaraná-muito-doce-pra-você.


Além dos quitutes e dos shows, a Fósforo organizou um campeonato de air-guitar, que ferveu a criatividade cênica de uma porção de “músicos frustrados”, que capricharam nas performances comediantes, no comando do palco do teatro Yguá.


Mas quem mais me chamou a atenção na noite foi mesmo o show do Filhos de Maria e Madalena, novo grupo do Diego de Moraes, o nosso prodígio-hype local. Com uma formação incomum para a maioria dos roqueiros de carteirinha, os dois violões, contra-baixo e percussão do conjunto, além de não se deixarem intimidar pela aura de festival-de-rock, mantiveram uma audiência atenciosa e entusiasmada. A música do sexteto, que aparentemente se despiu de qualquer deferência venerável pela “tradição da música popular brasileira”, é um acinte aos bons modos da emepebê, e se a percussão, revesada entre vários membros, endurece os compassos do samba e se diverte cinicamente com a própria limitação, o lirismo corrosivo e burlesco, interpretado com um atrevimento exuberante, completa o quadro de saudável desrespeito.


Tirando algumas performances cômico-grotescas do campeonato de air-guitar, no teatro ao lado, os Filhos de Maria e Madalena fizeram o melhor show de uma noite que teve Post Five, Utravespa, Galo Power, The Backbiters, Vandaluz (MG), High High Suicide e ainda teria Goldfish Memories.


# Saiu o line-up oficial da sétima edição do festival Vaca Amarela, principal evento da Fósforo Cultural. Quem lê isso aqui já sabia das principais novidades, antecipadas no começo da semana passada, e não vai se surpreender ao ler os nomes do guitarrista Lanny Gordin, do punk romântico Wander Wildner, e nem do ótimo grupo argentino Vudú. Os shows do Vaca amarela acontecem nos dias cinco e seis de setembro. Segue aí:


Sexta

02:15 Wander Wildner (RS)

01:30 Autoramas (RJ)

01:00 Diego de Moraes e o Sindicato00:30 Linha Dura (MT)

00:00 Black Drawing Chalks

23:30 Daniel Belleza e os Corações em Fúria (SP)

23:00 Mugo

22:30 Rollin’ Chamas

22:00 Porcas Borboletas (MG)

21:30 Mezatrio (AM)

21:00 Goldfish Memories

20:30 WC Masculino

20:00 Juana Barbera (MG)

19:30 Gloom19:00 Phantoche (Pirenópolis-GO)

18:30 Madame Butterfly e o Burlesco

Palco Música Brasileira

20:00 Vida Seca

21:00 Filhos de Maria e Madalena

Sábado

02:15 Forgotten Boys (SP)

01:30 Lanny Gordin (SP)

01:00 Technicolor

00:30 Vudú (ARG)

00:00 Orquestra Abstrata

23:30 Cabaret (RJ)

23:00 Devotos NSA (SP)

22:30 MC Dyskreto

22:00 Yglo21:30 Terra Celta (PR)

21:00 Toró de Palpite (DF)

20:30 Perfect Violence

20:00 Hey Hey Hey (RO)

19:30 Baba de Mumm-rá (TO)

19:00 Descuido Zero (Catalão-GO)

18:30 Johnny Alfredo e seus Neurônios Mongóis

Palco Música Brasileira

20:00 Cega Machado

21:00 Alma Brasileira



Na quinta-feira embarco pra Cuiabá, festival Calango, mas antes disso (acho) volto aqui pra gente conversar sobre o show do Muse no Porão do Rock.