Analytics:

terça-feira, julho 29, 2008

Clube do Boato

# E a lista dos shows que fará o segundo semestre valer a pena, em Goiânia, está cada vez maior. O grande guitarrista sino-brasileiro Lanny Gordin (não conhece? Vá se internar!) será a estrela (de)cadente que fará da edição 2008 do festival Vaca Amarela, a melhor de sua curta história, ao lado da banda argentina Vudú.
.
.
Lanny nos tempos áureos
.
.

.

Lanny Gordin é responsável pelas guitarras líquidas e adoravelmente saturadas de alguns dos melhores discos da tropicália, e já emprestou seu talento lisérgico a artistas da categoria de Caetano Veloso (em alguns de seus momentos mais inspirados), Gal Costa (em sua curta, e radical, fase psicodélica, no fim dos anos 60), Jards Macalé (tocando contra-baixo em seu melhor disco, lançado em 1972), Rita Lee (no incrível Build Up, primeiro vôo solo da então cantora d’Os Mutantes), além do cultuado Brazilian Octopus, lançado em 1969, e que contava com Hermeto Pascoal, Olmir Stockler e Nilson da Matta em sua formação. Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Tim Maia, Elis Regina, Jair Rodrigues, Chico César, Sarah Vaugham e Ravi Shankar também se aproveitaram do talento superlativo do guitarrista chinês.

.

.
A primeira vez que vi nuestros hermanos argentinos do Vudú em ação, estava eu lá no Paraná, mais precisamente em Londrina, acompanhando o festival Demo-Sul, e o rolo compressor que o quarteto passou por cima de todo mundo que se encontrava em frente ao palco, revelou um dos maiores nomes do novo rock argentino. “Novo” é modo de dizer, já que a música do grupo é toda baseada nas melhores referências do genuíno rock setentista, uma espécie de Black Crowes latinizado. Algum tempo depois o grupo se apresentou em Goiânia, no extinto Ziggy Box Club, numa noite de incrível desbunde alcoólico.

.

.
Além do Lanny Gordin e do Vudú, quem dará o ar de sua graça no festival é o bardo punk-cafona Wander Wildner, e a reboque vem os paulistas do Forgotten Boys (que em breve lançam disco novo),
e os cariocas do Autoramas.

.

.

.

.
# E o clube do boato, bem alimentado pelo diz-que-me-diz, continua nutrindo a fantasia de milhares de almas crédulas. Os últimos rumores, cochichados a sério entre produtores e debatidos com energia por fãs esperançosos, dão conta de que o Helmet, banda fundada no apagar das luzes negras dos anos oitenta pelo vocalista guitarrista Page Hamilton, pode desembarcar no palco do Goiânia Noise Festival (que, como noticiado em primeira mão aqui no Goiânia Rock News, já confirma a presença de quatro atrações internacionais: Imbyra e Black Lips – USA, Flaming Sideburns – Finlândia, além da canadense Black Mountain).
A Monstro Discos, produtora do festival, ainda não confirma nada oficialmente, mas também não desconfirma a possibilidade. Resta esperar e, para os fãs mais ardorosos, cruzar os dedos.

.

.

.

.
# Quem já deu certeza de que aparece por aqui é o grupo francês Papier Tigre, que, ao lado do MqN vai fazer a alegria do entardecer de domingo, lá no pátio da Ambient Skate Shop. A grande Pata de Elefante, de longe a melhor banda de rock do Rio Grande do Sul, deve voltar aos palcos goianienses também em agosto, e a outrora maravilha mineira Udora traz sua evolução duvidosa à Goiânia no festival Rock In Sopa.

.

.

.

.

Vou indo, mas eu volto.

quinta-feira, julho 24, 2008

Goiânia é Noise!

# A décima–quarta edição do Goiânia Noise Festival, que acontece em novembro, já começa a tomar forma. Vazou ontem a notícia de que Marcelo Camelo, o eterno ex-Los Hermanos que lança seu primeiro vôo solo em breve, está praticamente confirmado para a festa, e o melhor é que vem escoltado pelo poderoso grupo paulistano Hurtmold, que se presta ao papel de banda de apoio da carreira solo do cantor.



Marcelo Camelo
Foto: Jorge Bispo



Porém, um dos detalhes pendentes para a confirmação final deste possível grande show, é o fato de que Camelo prefere tocar para um público sentado, o que nunca aconteceu e é quase impensável num Goiânia Noise. Mas, mesmo com esse “pequeno” empecilho (que a produção do festival vai ter bastante trabalho para solucionar), a apresentação deve mesmo acontecer, e já teve até data divulgada: vinte e um de novembro.



A lista das atrações internacionais, que deve ter oito nomes, começa pela canadense Black Mountain e pela estadunidense Black Lips, como já foi adiantado aqui nessa mesma tela, semanas atrás.



As novidades ficam por conta da californiana Imbyra (atual trabalho de Ikaro Stafford – ex-vocalista da extinta banda goiana Punch, e ex-frontman do Ankla, grupo californiano de latin-metal que integrou o line-up da última edição do mega-festival de metal Ozzfest), e dos finlandeses do The Flaming Sideburns.


O Imbyra, que está em estúdio terminando de registrar seu primeiro disco, é o grupo comandado pelo baterista brasileiro Fabricio Ravelli, que já tocou ao lado de Neil Turbin (ex-Anthrax), e excursionou pelo mundo com o Hirax, banda de thrash-metal fundada em 1984, pela qual já passaram nomes de respeito do metal mundial como Paul Baloff (Exodus, Piranha) e Eric Brecht (Death, D.R.I.).


.
.

.
Ikaro Stafford no palco da Ozzfest


O Flaming Sideburns é mais-do-mesmo daquele garage-rock espalhafatoso que o público goianiense adora gostar e, portanto, deve fazer sucesso no festival. Além desses nomes, já confirmadíssimos, pelo menos dois grupos latino-americanos, possivelmente um argentino e outro chileno, também devem fazer parte do line-up do Noise. Fabrício Nobre, o “frente” da Monstro Discos, embarca para Buenos Aires em setembro, para participar da BAFIM, a feira internacional de música da capital portenha, onde pretende escolher os representantes latinos do cast do festival. Alguns outros nomes internacionais (além dos latinos) estão sendo negociados e, provavelmente, serão anunciados, em breve, aqui nesse mesmo blog que vos fala.

.

.

.

Por hoje é só, mas volto já.

.

.

Um beijo.

.

quarta-feira, julho 23, 2008

Starbucks

# Dos discípulos britânicos do Radiohead, o Coldplay foi o único que manteve a dignidade depois que o talento perturbado de Thom Yorke tornou sua música inimitável.




O Coldplay nasceu vestido num uniforme de marinheiro, branco e imaculado, tentou se sujar com respingos da lama repugnante que sempre salgou grandes momentos do pop inglês, recente ou não, mas o que o longilíneo vocalista de olhos azuis sabe mesmo fazer é parir melodias bonitas, quase tão assépticas quanto sua reputação de bom-moço. O Coldplay não tem por que se gabar de seu limitado raio de ação criativa, mas dentro daquele universo que nos acostumaram e esperar deles, são os melhores.



Viva La Vida Or Death and All His Friends, quarto disco de estudio do Coldplay, não traz nenhuma surpresa, e se isso te dá certeza de que o quarteto continua no caminho certo, sinto prazer em concordar. As únicas “novidades” de Viva La Vida, foram um flerte discreto com a música celta aqui ( Cemeteries of London ), um namoro com um sexy e delicado minimalismo sinfônico ali (Lost!), ou um coito brilhante e grandiloqüente cheio de arranjos de cordas e vocalizes solenes (Viva La Vida), por que de resto toda aquela potência pop das grandes canções de três minutos e pouco cumprem tabela exemplarmente, seja no precioso e comovente primeiro single Violet Hill, ou no shoegazer mofado Chinese Sleep Chant, que remexe nos ossos e ecos nublados do lado mais My Bloody Valentine dos anos oitenta. O Coldplay não é o Radiohead, com isso eles aparentemente estão aprendendo a conviver, mas em 42 ainda se arriscam a imitá-lo tão bem quanto o Muse de outros tempos.



A fórmula doce e introspectiva que Chris Martin e Jon Buckland mastigam desde o fim dos anos noventa ainda faz sentido mais de dez anos depois. Numa época de re-re-redescoberta do rock barulhento e do resgate daquele orgulho tipicamente britânico, se as elucubrações pop do Coldplay não são sofisticadas demais nem para fãs de Arctic Monkeys e Babyshambles da vida, é sinal de que o mundo ainda tem jeito.





Casa Bizantina preparando disco novo
Foto: Pedro Ceciliano


# A Casa Bizantina , apesar da irregularidade bissexta com que movimenta sua carreira, é dona de dois dos melhores discos da discografia do rock goiano, mas longe dos palcos tem conseguido equilibrar sua relevância musical em pernas-de-pau. Sem grandes novidades desde o lançamento do ótimo Estado Natural, em dois mil e seis, a Casa finalmente deu sinais de ainda se importar com sua, ultimamente, maltratada biografia.



Na última edição do FICA (Festival Internacional de Cinema Ambiental), na cidade de Goiás, a banda fez sua já tradicional apresentação anual, e dia desses finalmente mostrou a cara de duas novas canções, disponibilizadas na página do grupo no Myspace. São elas Um Beijo pra Matar o Tempo – pop retrô de guitarras distorcidas e letra reflexiva, e Helio Vai – uma balada tão despretensiosa quanto bonita.



Fabiano Olinto, o vocalista/guitarrista e principal compositor do conjunto, garante que a Casa Bizantina ainda tem um lugar seguro na realidade, que várias novas canções vêm sendo trabalhadas em estúdio, e que o quarto disco da banda pode nascer ainda esse ano. Além de Um Beijo pra Matar o Tempo e Helio Vai, outra canção nova deve aparecer no myspace em breve. Já quanto aos shows...





# A Fora da Lei, produtora áudio-visual das mais ativas do underground goiano, foi responsável pelo filme que registrou os shows, público e bastidores da última edição do Goiânia Noise Festival, você sabe. Eu, que já pertenci aos quadros da produtora como repórter, roteirista e pesquisador (do extinto programa de rádio Espírito da Música), fui o encarregado das entrevistas do documentário, que foi lançado em dvd, pela Monstro Discos, numa festa lá no piano-bar do Centro Cultural Goiânia Ouro, em maio.



Porém, obedecendo a critérios diversos, o vídeo conta apenas vinte e dois minutos de duração e, assim, uma enorme quantidade de material inédito gravado durante o festival encontra-se arquivado nas gavetas da produtora, e não teria mesmo outro destino senão o de navegar à deriva pela web.



De modo que Sérgio Valério, o diretor-presidente do coletivo indie-punk, ressuscita as sessões do Arquivo Fora da Lei ao mesmo tempo em que re-inaugura o blog da produtora – que havia sido misteriosamente abduzido pelo Google. Takes inéditos de shows e entrevistas, colhidos durante os três dias de festival, vão aparecer aqui na tela do Goiânia Rock News na proporção em que forem postados no youtube, (e na tela do blog Fora da Lei).



Para a estréia das sessões, alguns minutos da apresentação do Diego de Moraes e O Sindicato no palco dois do festival. Essa apresentação rendeu comentários elogiosos de nomes importantes do rock brasileiro. Além dos confetes que o Fabrício Nobre, linha de frente da Monstro Discos e vocalista do MqN, se acostumou a jogar no rapaz, o Miranda (o produtor e jurado mais famoso do Ídolos/Astros – SBT) me garantiu, frente às câmeras, que a performance pós-tropicalista do rapaz foi, segundo sua opinião pessoal, uma das melhores do Goiânia Noise. Assista você também, e me diga se o Miranda exagerou:

.



# O Porcas Borboletas, grupo mineiro que desenterrou o lado mais estranho da emepebê e, disfarçado de banda-de-rock, recriou a Vanguarda Paulista no interior de Minas Gerais, estreou no último fim de semana o vídeo-clipe de Nome Próprio, música que serve de trilha sonora para o filme homônimo, dirigido por Murilo Salles, protagonizado pela atriz Leandra Leal e baseado em textos da blogueira Gaúcha Clarah Averbuck.



Nome Próprio, o filme, já está em cartaz nos cinemas do Brasil. Em Goiânia, somente o shopping Bougauville oferece a fita em tela grande, sempre às 17h15, 19h20 ou 21h30. Já o vídeo-clipe de Nome Próprio, a música, você pode assistir ao apertar o play aí embaixo.

.








Na volta me lembra de te dizer por que o Max Cavalera deveria abrir uma franquia da Starbucks e abandonar o metal. Aproveito e te digo por que Donkey, o segundo disco do Cansei de Ser Sexy, merece tudo o que andam dizendo dele por aí; explico também o que faz de Beatiful Future, o novo do Primal Scream, o segundo lançamento mais chato do mês.




Tchau

quinta-feira, julho 17, 2008

Álbum de Família

** Estou tentando, desde a tarde de ontem, atualizar o Goiânia Rock News, mas o Blogspot parece estar tendo problemas e não está aceitando novas postagens. Continuo tentando aqui, e a qualquer momento entra aqui na tela umas linhas sobre o disco novo do Coldplay, músicas inéditas do Casa Bizantina no Myspace e estréia do vídeo-clipe de Nome Próprio, música que é trilha-sonora para o filme homônimo de Murillo Sallles.



* Texto originalmente publicado no Portal Fora-do-Eixo.




Elvis Presley - 1956



No princípio era somente o verbo (a irromper, num conjunto dolorido de vozes, o silêncio de mais um dia de trabalho sob o sol escaldante), mas para acompanhá-lo deus lhe deu o ritmo e a melodia, e viu que era bom. A herança das work-songs que os escravos negros deixaram – somada às suas celebrações cardíacas e ribombantes -, formaram, segundo o pensador Erick Hobsbawn em seu “A História Social do Jazz”, o terreno adequado para a evolução do jazz e do blues, que se desenvolveram sem pressa em bares, cabarés e partituras das décadas seguintes, registrados em grossos discos de cera que mal carregavam uma música completa.


No meio do século XX a revolução tecnológica dos discos de vinil (que atingiam a incrível capacidade de armazenamento de quarenta minutos), acompanhou a ascensão de um novo gênero musical, que subia nas paradas de sucesso na mesma proporção em que preocupava as “boas famílias” de uma sociedade que assistia perplexa à invenção da adolescência (ao mesmo tempo em que tentava manter seus filhos dentro de suspensórios e longe da nova moda). Nascia o rock n’ roll, e com ele a era dos álbuns, esse feixe de canções combinadas, contido num elepê, fita cassete, cedê ou download.


O conceito de álbum, como conhecemos hoje, surgiu mais ou menos na mesma época em que a música pop soltava seus primeiros gritinhos histéricos, mas ali em meados dos anos cinqüenta quem melhor se aproveitou da novidade foram mesmo os músicos do jazz (que enxergaram nesses quarenta minutos que passaram a caber num disco, a possibilidade de registrar testamentos musicais de “longa duração” e “alta-fidelidade”), e os estandartes do nascente rock n’ roll, que cunhavam as bases daquilo que moldaria a cara da, então, embrionária cultura pop.


Os primeiros álbuns de pop não passavam de coleções de singles de sucesso, esse sim o principal formato de suporte fonográfico para os bailes e vitrolas da década de cinqüenta. Na passagem para os sixties, o público americano “descobriu” o elepê, e pela primeira vez os singles ficaram para trás nos gráficos de vendas que comparavam seu desempenho ao do irmão mais novo.


Nos Estados Unidos, os americanos abraçaram a novidade com a devoção de quem sonhava “tomar o poder” das mãos do tio-Sam confederado, e os singles passaram à condição de coadjuvantes, alimentando expectativas do mercado, ou experimentando a notoriedade dos novatos que almejavam um disco cheio (o qual só conseguiam se sua popularidade comercial fosse satisfatória para a fome das gravadoras). Na Inglaterra esse processo demorou um pouco mais, e os singles reinaram quase até o fim da década.


Já os anos setenta passaram à história como a época do EU, e principalmente em sua primeira metade fizeram a fama dos discos conceituais, filhos diretos da fantasia psicodélica militaresca dos Beatles em seu superlativo ‘Sgt Peppers’ – ou, questão de preferência, dos Stones, com sua fina ironia “satanista” multi-colorida ‘Their Satanics Majesties Request’ –, ambos de 1967.


Da porra-louquice cabeluda de Alice Cooper (‘Welcome to the Nightmares’ e ‘Go To Hell’), passando pelo rock progressivo asséptico do Genesis (‘The Lamb Lies Down On Broadway’), e chegando à grandiosidade operística do Queen (‘A Night in the Opera’), quase todo mundo (além desses e de muitos outros, Jimi Hendrix, Frank Zappa, Pink Floyd, King Crimson, Emerson Lake & Palmer e The Who entraram na onda) deu um jeito de arranjar um conceito qualquer para amarrar seus discos em torno de um mesmo assunto. John Lennon, no começo da década, percebendo o embuste que poderia facilmente se esconder atrás de tanta pompa, discursou a favor do que ele batizou de “cultura real dos singles”, que apartados de seu contexto podiam revelar seu real poder de fogo.


Na meio dos anos oitenta a virada tecnológica do surgimento do cedê ofuscou essa “cultura real dos singles” em um deslumbramento desconfiado parecido com aquele que assombrou o mundo da música trinta anos atrás, quando vinte minutos de cada lado eram a novidade da vez. Mesmo que, a princípio, fosse tratado com suspeita pelos colecionadores e puristas em geral – que alegavam a óbvia desvantagem gráfica do cedê, além dos discursos inflamados que tentavam provar que seus vinis tinham um som mais orgânico, mais “quente” –, a tecnologia mais uma vez prevaleceu: Com um som digital cristalino e capacidade de armazenamento que ultrapassava os sessenta minutos, o cedê virou a década assumindo o papel de ícone principal da nova cultura pop, cheia de camisões xadrez, distorção e microfonia. (É, nem tão nova assim).


Em sua primeira metade, os anos noventa floresceram sob a renovação barulhenta do grunge, e do meio para o fim os reis do britpop, Blur e Oasis, ainda brigavam por popularidade quando os primeiros arquivos MP3 começaram a aparecer na internet (muitos ainda se lembram da famosa batalha dos singles, quando ‘Country House’ do Blur e ‘Roll With It’ do Oasis, lançados na mesma semana, disputaram a tapas a liderança do número de vendas). O vinil ainda ensaiou uma ressurreição charmosa, curiosamente pelas mãos da música eletrônica, mas o embrião daquilo que iria mudar o modo como a humanidade se relaciona com a música já estava forte e bem nutrido, ansioso por eclodir.



Napster



Em mil novecentos e noventa e nove, Shawn Fanning, então com dezenove anos, queria uma maneira mais fácil de baixar músicas em MP3 na Internet (é bom lembrar que nesta época isso não era nada fácil. Além de dominar muitas ferramentas, o internauta devia se armar com doses generosas de paciência), e assim mais uma vez a insatisfação juvenil arrancou a história de seu curso e impôs, de maneira quase casual, um novo rumo, incômodo para muitos e poderosos: nascia a primeira versão do Napster.


O princípio era simples, cada navegante da web disponibilizaria sua musicoteca digital pessoal para todo o mundo virtual, possibilitando a troca de arquivos numa escala inimaginável até então, e mesmo que gigantes rançosos como o Metallica tenham se associado à apavorada indústria fonográfica para, enfim, conseguir tirar do Napster sua principal e revolucionária característica, menos de dois anos depois a idéia genial já era de domínio público, e logo sites como o Kazaa, Audiogalaxy, Morpheus e tantos outros já acenavam com um sorrisinho irônico de dentro da tela de monitores de todo o planeta, garantindo que um controle efetivo sobre a livre troca de arquivos se transformasse numa fragorosa piada “interna” entre os geeks e navegantes mais atentos.


Enquanto o intercâmbio de músicas pela web se tornava um procedimento quase banal, cotidiano, os primeiros fenômenos digitais do pop do novo milênio começaram a aparecer. Os Strokes, com apenas um epê de três músicas (lançado em formato físico pelo selo inglês Rough Trade) foram alçados à condição de estrelas muito antes do primeiro álbum ocupar as prateleiras das mega-stores, e ganharam fama e o respeito tanto da imprensa americana, quanto da ranzinza press britânica, com algumas poucas músicas circulando livremente por milhares de computadores pessoais, inaugurando oficialmente uma nova era em que os destinos tanto do single quanto do álbum seriam novamente revistos.


Se apropriando das possibilidades dessa nascente nova-ordem, um número incalculável de músicos e bandas de todas as estaturas mercadológicas e artísticas passou à experimentação, recriando uma nova função para o single, que abandonou a retaguarda e ganhou uma condição virtual paralela à do álbum. Muitos grupos populares em suas cidades abraçaram a boa-nova como o caminho-das-pedras para romper as fronteiras de seu estado natal, e alcançar um público antes inatingível.


No Brasil o caso mais notório talvez seja o da gaúcha Fresno, que a partir da popularidade local invadiu, via internet, a Mtv e os palcos de todo o país, transformando o grupo em um ótimo negócio, inicialmente sem a intermediação das outrora poderosas majors (ainda que o último disco do conjunto, ‘Redenção’, tenha sido lançado pela Universal). Já o grupo paulista NX Zero levou a experiência independente ao mainstream, revelando que as gravadoras, mesmo cambaleantes, ainda se equilibram no mercado.



Yeah Yeah Yeahs (USA), Móveis Coloniais de Acaju (DF), Arctic Monkeys (UK), Cachorro Grande (RS), Macaco Bong (MT), Vudú (ARG,) Clap Your Hands Say Yeah (USA), Supersônicos (UY), Autoramas (RJ) e tantos outros se favoreceram da internet e seus downloads rápidos, inaugurando uma nova lógica, manifesta nos festivais independentes e na imprensa “informal” dos blogs. Seus álbuns em cedê foram rebaixados à condição de adereço opcional, e a música em si se desprendeu de formatos, emprestando uma propriedade característica dos líquidos: passou a tomar a forma do recipiente em que é depositada. Enterrando de vez os velhos e empoeirados discmans, o IPod (e todos os seus parentes menos ilustres), passou a ser o cantil predileto dos andarilhos urbanos das grandes cidades.






Mas se a música havia se libertado da cruel ditadura comercial das gravadoras e todo gênio incompreendido iria finalmente ser entendido, colocando sua obra genial a disposição do mundo, a rede mundial de computadores se tornou uma descomunal feira-livre de pop-songs inéditas, onde cada um reclamava para si, no grito, um pouco de atenção. E, derivados dessa nova lógica cultural, blogs e sites especializados no assunto (muitas vezes desprendidos de qualquer corporação comercial estabelecida, onde a linha editorial aponta somente para a opinião e discussão) acabaram por ocupar uma lacuna que a imprensa “oficial” ainda tentava entender.


O produto mais recente do poder que essa nova imprensa exerce (associada, é claro, a sites como o Myspace e Tramavirtual), atende pelo nome de Mallu Magalhães, e conta apenas quinze verões em sua curta vida. Como todo mundo já sabe, a Mallu “aconteceu” na internet no apagar das luzes de janeiro último, com apenas quatro canções em sua página no Myspace, e já no começo de fevereiro os principais veículos da imprensa “oficial”, musical ou não, se estapeavam atrás da garota, para disfarçar o “atraso” da pauta de "descoberta exclusiva".


Mallu Magalhães acabou de entrar em estúdio– já quase como um cânone do novo pop –, para registrar seu álbum de estréia, mas caso quisesse ignorar a práxis da maioria, a viabilidade de trabalhar apenas com canções avulsas já havia sido antecipada. Modus Operandi que a banda goiana MqN inverteu já há algum tempo. Com dois discos oficiais na praça (‘Hellburst’ e ‘Bad Ass Rock N’ Roll’), o grupo vem lançando periodicamente o que apelidou de Fuck Cd Sessions, em que diz ter abolido o cedê e optado pelo lançamento regular de singles virtuais (prática que o Smashing Pumpkins também diz ter adotado), paralelamente a tiragens limitadas de compactos simples em vinil.


Ao mesmo tempo em que a gravadora/site Trama Virtual oferece, gratuitamente, álbuns inteiros e recém lançados para download, em projetos que remuneram o artista de acordo com o número de “cópias” baixadas (com acesso livre e sem burocracia a seus visitantes), ou de cotas de patrocínio. Tom Zé, Superguidis e Macaco Bong já experimentaram a novidade. Vivemos uma época de testes e apostas, que não aceita planificação dos procedimentos e gosta de premiar quem arrisca um passo rumo ao desconhecido.


O álbum como eu conheci, lá nos anos oitenta, não faz mais sentido. O primeiro disco que comprei com meu próprio dinheiro foi o ‘Bad’, do Michael Jackson, mas ninguém poderia adivinhar que dali a alguns anos ‘Dangerous’, o primeiro blockbuster-anos-noventa do rei-do-pop, seria soterrado pelo fenômeno xadrex ‘Nevermind’ (do Nirvana), nem que sua relevância musical, dinamitada por escândalos sexuais e pela precária substância musical de suas novidades, seria deixada à deriva, perdida no imenso oceano de possibilidades virtuais desse novo milênio pós-tudo.


Ninguém naquela época, nem no mais elaborado e exercício de presciência, poderia inventar um destino tão assustadoramente futurista para nossos amados álbuns. Depois de presos à cera, ao vinil, às fitas magnéticas e ao plástico metalizado, depois de alforriados e fluidos, após percorrerem arquivos compactados, e-music players e i-pods (num universo tecnológico que não se permite estagnação e ainda nesse presente momento está em constante e plena mutação), ainda deixam suspensa a possibilidade de que ao se levantar da cadeira depois de ler este texto e fechar essa janela do Windows, sua maneira de ouvir música já esteja obsoleta.

É melhor você ir lá conferir.

segunda-feira, julho 14, 2008

O Que é Que Tem na Caixa-Preta?

# Depois de quase uma semana sem botar os pés na web (?), por causa de uma fortíssima crise alérgica que prendeu o blogueiro à cama (e ao controle remoto), o amigo aqui ensaia um tímido retorno à tela do Goiânia Rock News, já que ainda se encontra convalescente, mesmo que quase recuperado. A internação doméstica se deu por uma intoxicação medicamentosa aguda, que provoca verdadeiras queimaduras nas mãos, pés e, cúmulo das maldades, nas mucosas. Passei a última semana administrando picos de fome e dor, já que comer com os lábios/língua queimados não é tarefa fácil. Mas agora já está (quase) tudo bem, e agradeço ao carinho dos amigos e amigas que se preocuparam com a saúde temporariamente debilitada do titular deste blog que você ora lê. Obrigado!





# Um dos melhores discos do pop brasileiro de dois mil e oito saiu outro dia e você deve ter visto o show dele no último Bananada. Se não viu, perdeu. Eu já tinha ficado bastante impressionado com a apresentação do Curumin no festival, tanto que escrevi aqui mesmo, na época, ter sido dele o melhor dentre os quarenta e dois shows da programação. Desde então tenho ouvido Japan Pop Show sem parar, e deu pra perceber que a intenção do músico que, sem querer, resgata o orgulho do samba paulista, é seguir aquela tradição atávica de João Donato, Jorge Ben e Marcos Valle, que apesar de tantos “discípulos” atuais anda tão maltratada.


E tradição, nesse caso, deve ser entendida como aquela ginga flexível e permutável das nossas grandes parabólicas: raízes fincadas em terreno verde-amarelo, mas com o olhar voltado para o mundo, um bate-papo do samba paulista com todos os estrangeirismos que valem a pena.


Com Japan Pop Show Curumin, inclusive, dá mais sentido ao seu álbum de estréia, o mediano Achados e Perdidos, de dois mil e dois. Depois da abertura instrumental com cara de trilha-sonora, Salto No Vácuo e Joelhada, e de Dançando no Escuro, um trip-hop de sotaque soul na voz do convidado especial Marku Ribas, Compacto é o primeiro grande momento de um disco abençoado. Filha direta do balanço despreocupado de Jorge Ben, em letra e ritmo, Compacto vem colorida com os timbres, gravões e filigranas de estúdio do R&B americano, enquanto o quase-frevo Magrela Fever mistura riffs de guitarra com as tremulinas elétricas do ritmo pernambucano, contornando os vocais com pitadas sábias de uma insuspeita cafonice psicodélica.


Kyoto é a faixa mais caleidoscópica de um álbum tão plural quanto coerente. Misturando elementos do dancehall jamaicano, funk carioca e soul norte-americano com beats e texturas da música eletrônica européia moderninha – fundida sob um discurso tão panfletário quanto irônico – Kyoto, que conta com participação duo californiano Blackalicious e do rapper Lateef the Truth Speaker (filho de integrantes do grupo de militância negra Panteras Negras), consegue a façanha de ser a canção mais bem acabada de um disco cheio de jóias preciosas, ancoradas em lembranças fortes de George Clinton, Tony Bizarro e Beastie Boys (além de reminiscências opacas da brejeirice vocal de um Odair José da vida).


Japan Pop Show, a faixa-título, originalmente era o nome de um show de calouros dominical, na verdade uma espécie de karaokê, apresentado por descendentes de japoneses na tevê brasileira dos anos oitenta. E honrando sua ascendência nipônica com a reverência merecida, Curumin celebrou suas recordações de infância diluindo aquelas referências distantes de uma cultura japonesa que ansiava pelo diálogo com o mundo pop ocidental e transmutou tudo em um improvável suíngue samba-rock de pronúncia japonesa.


Mistério Stereo reza na cartilha de pepitas quase perdidas do soul brasileiro, como o Carlos Dafé e o já citado Tony Bizarro, e a vinheta Saída Bangú despedaça e se reconstrói baseada em samplers de Revendo Amigos, de Jards Macalé e Waly Salomão. Mal Estar Card, apesar do ranço do discurso anti-capitalista, vem adornada pela participação especial do toaster jamaicano Cristopher Lover, e se perde pelo proselitismo ingênuo da letra, compensa sua singeleza lírica com grooves pra lá de venenosos.


Caixa Preta, com participação de B-Negão e Lucas Santana, talvez seja a música mais emblemática de Japan Pop Show. Num cenário funk-electro cheio de melodia de gafieira, Curumin trata de escândalos políticos e acidentes aéreos com a mesma acidez bem-humorada que acompanha todo o disco, mas, principalmente ao vivo, a canção assume ares de mantra de uma rebeldia rejuvenescida, aparentemente desinteressada em doutrinas prontas e movida pela curiosidade primitiva de saber o que está acontecendo á sua volta.


Para reafirmar sua genealogia japonesa, Sambito divide idiomas entre o Japão e o Brasil (com participação especial do skatista Tommy Guerrero), Esperança ensaia uma adeus alegremente melancólico típico do samba-canção, e Fumanchú encerra o álbum de fato, numa despedida instrumental donatiana que acena feliz para quem atravessou Japan Pop Show de uma ponta à outra. Seriíssimo candidato a melhor disco brasileiro em dois mil e oito. Os próximos meses dirão.




# No começo de agosto vou pôr o show do Curumin à prova novamente, dessa vez em Cuiabá, dentro da edição dois mil e oito do festival Calango. Também pela segunda vez assistirei lá, com cuidado e carinho, às apresentações do Cérebro Eletrônico e do Do Amor, já que da primeira vez o santo não bateu (apesar das boas expectativas que sempre nutri pelos dois nomes). Meu “medo” é o de que a apresentação do Curumin ofusque de novo os shows desses novos queridinhos da crítica paulista, que se dividem entre projetos pessoais e a banda de Caetano Veloso.



Mallu Magalhães

# A Mallu Magalhães, o fenômeno indie-folk paulistano que do alto de seus quinze anos de idade quase pôs abaixo o teatro Pyguá na última edição do festival Bananada, deve entrar em estúdio hoje, dia quatorze, para começar a registrar seu primeiro álbum. A produção musical caberá, incrivelmente, ao mega-produtor brasileiro Mário Caldato Jr., que já botou sua cara em trabalhos de notáveis da categoria de Beastie Boys, Marisa Monte, Planet Hemp, Mundo Livre S/A, Bebel Gilberto, Beck, Blur, Björk, Moby, Soulfly, e até do Technotronic (além de uma tonelada de outros), mas que impressionou a garota-prodígio foi mesmo com um trabalho seu para o lendário e longevo bluesman John Lee Hooker.


Provavelmente serão gravadas doze canções, todas autorais, e o disco propriamente dito deve alcançar as prateleiras dos shoppings e as banquinhas dos festivais em setembro, mas aposto um par desses dedos que vos digitam se (todas!) as músicas não apareçam boiando na web antes disso.




# O inacreditável trio instrumental cuiabano Macaco Bong será o segundo nome na lista da gravadora Trama Virtual para o projeto álbum virtual, onde lançamentos inteiros são disponibilizados gratuitamente e em boa qualidade para os visitantes do site, e o artista é remunerado segundo uma cota de patrocínio, ocupada em banners na página dos downloads. O estreante nessa nova prática foi o eterno vanguardista mala-sem-alça Tom Zé, com seu Danç-Êh-Sá – Ao Vivo, e agora o Macaco Bong bota seu Artista Igual Pedreiro para jogo.


Artista Igual Pedreiro foi oficialmente lançado em Goiânia há alguns meses (onde também foi gravado), num dos melhores shows que a cidade viu em dois mil e oito, e se você ainda se permite desconhecer o conteúdo dessa bolacha, vá se internar. No dia dezoito próximo, sexta feira, a Trama Virtual vai fazer colocar o disco ao seu alcance, e assim você sai da enfermaria. Não dê bobeira, esse é, provavelmente, o melhor disco do pop nacional desse ano!





# Vou ali ouvir o novo ao-vivo do Muse pra ir aquecendo os ouvidos, afinal daqui a pouco os três ingleses estarão bem na minha frente (e de mais algumas dezenas de milhares de humanos) cometendo um dos shows mais esperados do Brasil, em dois mil e oito.


# Depois que me recuperar cem por cento dessa maldita crise alérgica volto aqui pra te dizer por que o Viva La Vida or Death and All His Friends, o novo do Coldplay, vale tanto a pena. Enquanto isso vou mergulhando no turbilhão onírico minimalista do Með suð í eyrum við spilum endalaust, último da maravilha islandesa Sigur Rós e dando umas orelhadas na nerdice tardia e irritante do mais recente do Weezer, o Red Álbum, aquele mesmo de Pork and Beans, canção cujo vídeo-clipe é o mais irritantemente auto-referente do nerdismo virtual de toda a Internet.






É isso, até mais.



sábado, julho 05, 2008

Ganhôôôô!



E os dois ganhadores dos ingressos para a Festa do Quadrado são:

Midori Gondo

E

Hudson Rabelo


Vocês, felizes sorteados, podem dizer seu nome e apresentar um documento com foto na portaria da festa, informando que foram os premiados da promoção Goiânia Rock News.


* Passada ultra-rápida agora, apenas pra informar os nomes dos ganhadores, mas ainda volto a este post, mais tarde.


Te vejo lá na pista. Ou não.
Até a volta