No começo do mês o Porão do Rock, festival dos mais saudáveis do novo rock brasileiro, tomou de assalto os holofotes do nosso circuito independente. Com atrações do porte do Bellrays, Sepultura e Mudhoney – além de alguns dos filhos mais interessantes dessa efervescência musical toda, como Macaco Bong e Superguidis –, comemorou seus primeiros dez anos de existência tirando onda de gente grande. Vem comigo que eu te conto:
We Feel Like A Bullet
Debaixo do emaranhado de barras de ferro que davam sustentação à enorme estrutura situada entre os dois palcos e que, piso acima, abrigava a área vip da décima edição do Porão do Rock, uma dúzia de pessoas falavam alto, empolgadas pela cerveja e por papos que tentavam investigar os caminhos do rock independente nacional. Procuravam descobrir, entre um gole e outro, como as coisas vão estar daqui alguns poucos anos. O Ulisses Xavier, da produção do festival e vocalista da Plástika distribuía cartõezinhos Coolnex, que continham uma raspadinha que dava direito à downloads gratuitos, tanto da Plástika quanto de bandas do line-up do festival.
Lá em cima na área vip – games de guitarra, bar bombado e arquibancadas nas laterais dos palcos –, a fauna esquisita do pop nacional desfilava orgulhosa. Do lado de lá, milhares de humanos fantasiados percorriam incansáveis o asfalto frio do estacionamento do estádio Mané Garrincha, indo dos palcos para a praça de alimentação e chegando, por fim, na tenda, que exibia uma escalação com DJs de todos os tipos: quase tudo escapava das caixas de som, de Slayer à Amy Winehouse, sem constrangimentos.
Nos palcos, uma penca de bandas já havia se apresentado, começando pelo punk operário e comunista dos Garotos Podres, seguidos pelo Allface. Perdi o Linha de Frente, banda local de hardcore Vegan (aqueles radicais do No flesh, No Drugs...) malvadão, que tocou antes do Galinha Preta (um dos melhores shows do último Bananada) e dos Mechanics.
O Dance of Days é uma piada bizarra pra lá de longeva, deve-se admitir, e como era de se esperar, a molecada comprou satisfeita a exibição de Nenê Altro e companhia. Após o show, adolescentes maquiados disputavam poses ao lado do, err, “ídolo”, diante dos flashes dos amigos.
Depois de uma visita à barraca da pizza e uma esticada no quiosque da pepsi (!), fui espiar os argentinos do Satan Dealers, que são bem melhores do que os portugueses incensados do Born a Lion, que ocupariam o palco daí a pouco. O Satan Dealers já dividiu um vinilzinho colorido de
O Zamaster, a despeito de ser uma das bandas fundadoras do Porão do Rock, é uma anedota teen, tardia e desnecessária, e a também brasiliense Harllequin enumera arrogante todos aqueles clichês caricatos do heavy metal, magistralmente representados pelo Massacration.
Anunciados como a sensação do folk metal mineiro (!!!), o Tuatha de Danann apareceu com uma mistura inusitada de heavy metal comportado, fundido sob performance hippie. Flautas e batas coloridas em “harmonia” com guitarras e climas épicos, cheios de pretensão celta. Incrivelmente a multidão disforme gostou bastante. Eu não entendo mais nada...
Depois de tamanha demonstração de paciência e tolerância, me concedi o direito de não me aproximar da arena durante o show do Angra, e fui encontrar os amigos para a última pepsi da noite.
“I Dont Care Where You Come From”
Havíamos acabado de chegar à Brasília, eu e o Ulisses Henrique, e paramos num dos milhares de shoppings da cidade para comer. Entramos e de pronto encontramos, por acaso, o Bruno Kayapi, guitarrista do Macaco Bong e bróder desde o último Demo-Sul, festival que acontece sempre no segundo semestre lá em Londrina, no Paraná.
Na saída do shopping o carro do Ulisses apaga e resolve não mais responder, e eis que sobra pra mim e pro Kayapi a ingrata tarefa de empurrar a Parati morta até o mecânico mais próximo, coisa que não tínhamos a mínima idéia de onde seria. Eram quase quatro da tarde e o sol ainda ardia seco no horizonte da capital.
Vinte e quatro horas depois, estávamos todos no mesmíssimo shopping, dessa vez sem preocupações imprevistas e almoçando com voracidade. Era o intervalo das reuniões da ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes), e muita gente boa devorava fast food como se fosse a comida da mamãe: Anderson Foca (DoSol - RN), Fabrício Nobre (Monstro/MqN – GO ), Pablo Kossa (Fósforo Rec - GO), Gustavo Sá (Porão do Rock - DF), Ney Hugo (Espaço Cubo/Macaco Bong - MT), Dewis Caldas e Ahmad (Volume/Espaço Cubo -MT), além de alguns jornalistas e blogueiros. Daí a pouco a maratona final dos debates nesse aniversário de 10 anos do Porão iria recomeçar.
Pouco depois que o sol se escondeu no horizonte plano e azul de Brasília, a Lafusa plugou sua bossa-pop para quase ninguém, antes de o Macaco Bong ocupar o palco ao lado e, apesar do pouco público, ostentar sua música poderosa e envolvente, ajuntando no gargalo da área vip, opiniões importantes do jornalismo nacional. Jamari França, crítico d’O Globo e editor do Jam Sessions – Blog do Jama, assistiu tudo, e depois, na coletiva de imprensa do trio instrumental, fez questão de sacar seu bloquinho de anotações e ir falar com o pessoal.
Aproveitei o show do Rock Rocket para jogar meia hora de conversa fora, antes de voltar à arena para acompanhar o Superguidis, que lança o segundo disco ainda esse ano, pelo selo candango Senhor F. Cheios de fãs na cidade, o grupo gaúcho é mesmo um daqueles fenômenos discretos que começam a pulular nos quatro cantos do país. No caso deles, dá pra pensar que antecipam o vindouro revival dos anos 90, que já deve estar se remexendo e pronto para romper a superfície frágil dessa febre anos 80 que nos assombra já há alguns anos.
Depois do Cromonato (que fez sucesso com sua igrejinha) e da Vamoz! (ainda não arranjaram um baixista?), o Moptop colheu mais uma vez os louros de banda “grande”. Menininhas lascivas se aglomerando na grade, garotos cantando junto, e alguma histeria. É impressão minha, ou eles estão mesmo cada vez menos parecidos com os Strokes? Os cariocas tem show marcado ao lado do Hurtmold e da britânica Magic Numbers, no Rio e
Depois da indecisão estilística do Supergalo, o Móveis Coloniais de Acajú injetou delírio na massa compactada e saltitante. A big-band brasiliense também compõe o line up do Conexão Indie e tem show marcado ao lado do Mombojó e dos ingleses do The Rakes, dia 26/06 no Rio e 27
Chegando à apoteose da noite, o quarteto mais cool do festival subiu no palco e num desfile louco, Lisa Kekaula (que já foi vocal de apoio do Basement Jaxx) e seu Bellrays fizeram a apresentação mais impressionante de toda a festa. Priorizando as flechadas certeiras do último e ótimo Have A Little Faith, a negra gorda e dona do maior black power que já eu vi, se transformou em musa da multidão, que estampava um sorrisão no rosto e movimento frenético e ritmado nos quadris. O êxtase foi tamanho que Lisa desceu do palco e confraternizou com o pessoal de cima da base dos fotógrafos, num flagrante captado pelo bróder e companheiro de viagem Ulisses Henrique. Aperte o play:
Seguindo, o Sepultura apresentou seu novo baterista para o público do meio oeste brasileiro. Jean Dolabella, que abandonou as baquetas do Udora na véspera do fim vergonhoso a que parece estar fadado o grupo mineiro, não deveu nada à performance superlativa de Iggor Cavalera, mesmo por que se manteve fidelíssimo ao que o antigo titular do posto que agora ocupa fazia. Aparentemente não quis correr o risco de bater de frente com os fãs xiitas da banda.
Hinos remotos como Troops of Doom e Inner Self, dividiram atenções com clássicos como Refuse/Resist e com o cover de Bullet the Blue Sky, do U2, presente no track list de Revolusongs, mas o arrebatamento se deu mesmo foi na matadora seqüência final, que enfileirou Territory, Arise e Roots, Bloody Roots. Não sobrou pedra sobre pedra, nem costelas no lugar.
Depois da destruição do Sepultura, os “tios” do grunge ocuparam o palco ao lado. Mesmo na ingrata posição de headliner pós-Sepultura, o Mudhoney (foto) conseguiu arrebanhar as camisas xadrez, os tênis surrados e óculos de massinha, e os agrupar na frente do palco, o que não somou mais do que quinhentas almas atenciosas e regozijantes.
Ainda assim, Mark Arm e sua turma não não se intimidaram e perfilaram seus hits mais esporrentos. Suck Your Dry e Touch Me, I’m Sick foram comemoradas intensamente pelos indies de plantão, antes da banda cancelar a coletiva de imprensa marcada para depois do show.
“Thank You Brasília... or Goiânia. I dont care where you come from!”.
É mole?
E depois ainda dizem por aí que Goiânia não é Rock City.
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