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Cachorro Grande no Centro Cultural Martim Cererê
FósForo Apresenta - 28/09 - sexta-feira
Enquanto se espremiam no suor escorregadio uns dos outros, as várias centenas de humanos felizes, dançantes e sorridentes - apertados dentro da cúpula de concreto - não pareciam perceber as temperaturas crepitantes que, junto com as toneladas de fumaça de todo tipo - enjauladas dentro do teatro Pyguá, sufocavam meus pulmões desprivilegiados.
Se você acha que a voracidade elétrica e “aquela” periculosidade artística do Cachorro Grande do começo fazem parte do passado, você está certo. Mas se acha que com isso os gaúchos erraram o caminho e desandaram a receita, você está errado. Não é de hoje que o quarteto adestrou sua rebeldia de brechó e se integrou ao establishment comercial do showbiz, ampliando o horizonte de sua curta carreira, sem deixar de receber os louros de uma insuspeita popularidade (ainda que não plenamente traduzida em número de vendas, mas isso é outra história).
Mas os rapazes de terninho antiquado e boinas do vovô ainda sabem o que fazer em cima de um palco, e regeram a massa – que equilibrava latinhas de cerveja e câmeras fotográficas digitais com a mesma desenvoltura alcoólica – com o prazer despreocupado dos íntimos.
Divulgando o novo Todos os Tempos, o conjunto também fez questão de satisfazer a multidão enlouquecida e não esqueceu os hits festeiros e esporrentos de Pista Livre e de As Próximas Horas Serão Muito Boas, a exemplo da miríade guitarreira de Você Não Sabe o Que Perdeu e da indulgência psicodélica de As coisas que eu quero lhe falar.
Se há alguns anos a explosão de sessentismo idílico que emanava daquele mesmo palco, durante o show de um Cachorro Grande ainda ingênuo e deslumbrado - transpirando em bicas debaixo do veludo dos paletós -, hoje, parece maior, a culpa é menos de Beto Bruno, Marcelo Gross e cia, e mais da visibilidade crescente que atraíram exatamente com essa desafetação amotinada e reverente.
E com tantos holofotes a coisa foi perdendo o tom de brincadeira, e a profissionalização acabou por dar uma mão de verniz mercadológico na lataria vintage do grupo, que, diga-se de passagem, tirou de letra a prova de tornar-se também “produto”, além de "simplesmente" arte.
Com menos de dez anos de vida e quatro álbuns respeitáveis na bagagem, o Cachorro Grande ainda late tão alto e forte quanto antes, mas agora que a novidade passou, o público transbordou o gueto e a polidez ganhou definitivamente seu lugar em meio ao caos retrô, resta esperar que tanta estabilidade não comprometa a sinceridade, e nem a criatividade genuína que os trouxeram até aqui.
Mas acho que não, seria óbvio demais.