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domingo, julho 10, 2011

Um filme de rock?

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Como muita gente sabe, o Carlos Alberto Mattos é crítico de cinema há mais de 30 anos, edita o ...Rastros de Carmattos e cuidou também do extinto Docblog . Especializado em documentários, ontem ele gastou sua pena para analisar Rock Brasília, o novo filme do Wladimir Carvalho (que assina a direção também de O País de São Saruê, Conterrâneos Velhos de Guerra e Barra 68). Vale a leitura:

Wladimir Carvalho comenta Rock Brasília



Um filme sobre rock?! É o que muitos perguntam, assustados, ao ver o nome de Vladimir Carvalho associado a seu novo longa, Rock Brasília, que estreia nacionalmente hoje no Festival de Paulínia. Para Vladimir, no entanto, isso não representa uma novidade absoluta. Um dos filmes que mais o impressionaram nos anos jovens foi Sementes de Violência, de Richard Brooks, que praticamente lançou o rock ‘n roll no cinema. Em sua casa, quem lançou o rock foi o irmão Walter, que participava de concursos de roqueiros. “Nos meus filmes, volta e meia tem rock”, diz ele, citando cenas de O País de São Saruê, Conterrâneos Velhos de Guerra e Barra 68.

Mas será mesmo Rock Brasília um filme sobre rock no sentido que se espera do gênero, com ritmo veloz, som em alto volume e imagens de rebeldia? Não é bem assim. Rock Brasília é, isso sim, um filme de Vladimir Carvalho. Um filme sobre como as pessoas se lembram das coisas e são capazes de contá-las cara a cara com o diretor. Na verdade, mais do que sobre rock, este é um filme sobre Brasília. Conclui uma trilogia de longas sobre momentos históricos da capital: a construção, evocada em Conterrâneos Velhos de Guerra; os assédios da ditadura, expostos em Barra 68; e a manifestação talvez mais frutuosa da cultura brasiliense, que foi o rock surgido ali entre o fim dos anos 1970 e o princípio dos 80, quando chegou a haver quase duzentas bandas na cidade.

Renato Russo e Vladimir CarvalhoVladimir percebeu na época a importância do que rolava nas superquadras de classe média, especialmente naquela chamada Colina. Estimulou alunos e colegas da ABD a registrarem os primeiros shows das bandas Aborto Elétrico, Legião Urbana, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial e Detrito Federal. Não satisfeito, saiu ele mesmo para fazer entrevistas e filmar eventos como o célebre show do Legião em 1988, que terminou em confusão com muitos feridos e em ódio de parte do público pelo grupo. Esse material, guardado desde então, é a base documental de Rock Brasília.

Através de entrevistas e cenas de arquivo, além de uma sequência encenada para recuperar a atmosfera romântica dos acampamentos à beira do Lago Paranoá, o filme conta uma história de sonhos e obstáculos. Uma “epicrônica”, como Vladimir prefere chamar. Durante a fase de montagem, ele se abria aos eflúvios do livro A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler, que analisa a criação de histórias a partir de estruturas míticas. Assim, a jornada dos heróis roqueiros foi montada com base nos desafios à ordem estabelecida, confrontos com a polícia, catalisação de insatisfações políticas, rachas internos, conflitos de garotos que se tornaram homens em plena exposição da mídia. Nesse percurso, tiveram mentores e guardiões, sendo também assombrados pela morte prematura do líder maior, Renato Russo.

Russo, que Vladimir considera “o maior poeta do rock brasileiro”, é o eixo individual mais importante na narrativa de Rock Brasília, mas divide o tempo de tela com integrantes da Legião, Capital e Plebe, bem como respectivos familiares. No fundo, é uma história de famílias o que ali se conta. Em sua maioria filhos de professores, diplomatas e altos servidores públicos, os roqueiros saídos de Brasília tinham um acesso privilegiado à cultura estrangeira – e as influências de Bob Dylan, do Police e do movimento punk ficam patentes. Tinham, por outro lado, a pecha de “filhinhos de papai” para desmentir com atitudes e letras de música. A última cena do filme, puxando bem para o lado emocional, completa o sentido familiar dessa saga.

Para ser um legítimo filme de rock, Rock Brasília precisaria ter mais música e menos falas. Precisaria ter capas de disco fazendo piruetas na tela, fãs se descabelando e uma certa exaltação das emoções em jogo. Mas aí talvez não fosse um filme de Vladimir Carvalho. Não há um interesse específico em celebrar o êxito das bandas. Os relatos da formação, da dissolução e de uma ressurreição superam a crônica dos anos de maior sucesso. Isso fica para outro tipo de filme ou programas de TV. Vladimir, como sempre, sai atrás das histórias humanas que rebatem na política. Sai atrás das memórias que ficam depois que a poeira baixa e a reflexão substitui a dor e a euforia.



Texto originalmente publicado no ...Rastros de Carmattos.






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