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She Science é o sexto disco do Wry – contando a primeira demo-tape Morangoland, o recente EP inglês Whales and Sharks, e descartando os compactos e singles.
Apontando para novas direções – já insinuadas antes, é verdade – o álbum vai do estranhamento à revelação num processo arrastado, mas que no fim das contas desvenda muito mais que apenas o registro serial da trajetória do grupo que saiu do interior de São Paulo para Londres, e que no começo do ano fez o caminho inverso, arrotando a satisfação de uma volta, segundo garante o vocalista Mário Bross, programada.
Experimentando a métrica da língua portuguesa em números que pouco lembram a atmosfera néon-underground de sua discografia nacional, She Science aparentemente se pretende uma espécie de reflexão adulta da carreira do Wry, e mesmo que a compreensão dessa sua intenção oculta tenha me custado alguma insistência, quando a ficha caiu foi com orgulho que percebi que minha teimosia ainda tem um sentido aguçado.
O acento punk que empresta certa urgência charmosa ao dance-rock lo-fi de, por exemplo, “Red Shoes” (Direct – 1998), “You No Why” (Heart Experience – 2002) ou “Powerless” (Flames in the Head – 2006), em She Science é diluído numa envolvente calmaria psicodélica – absorvida pela busca de melodias e ambientações e aparentemente indiferente à atitude-padrão da geração-rock-alternativo a que o Wry pertence.
Na verdade, considerado o mergulho abissal de Whales and Sharks, She Science pode ser avaliado como uma rápida subida à superfície; breves fôlegos entrecortando novas imersões, que conectam os anos sessenta aos anos noventa numa elocução de guitarras absolutamente pós-moderna.
Mas se “Nothing’s Changed” revela uma delicada conjugação de elementos psicodélicos, e “Lábios Trêmulos” experimenta o português numa suave ambiência pós-punk, “Disorder” força o olhar para o passado e recria, dentro desta visão amadurecida, a potência indie-noise dos primeiros discos do Wry, misturando português e inglês para tergiversar.
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Porém, a grande canção de She Science está escondida na segunda metade do track-list. Houvesse sido lançado em vinil, “Dois Corações e O Sol” seria a jóia shoegaze que abriria um outrora cultuado lado b.
“Dois Corações e O Sol”
Resumindo a atitude do rock alternativo noventista numa representação carregada de certa lisergia matinal deprimida, o refrão dadaísta lamenta:
É como se eu estivesse só
Voando os céus e os pés no chão
Será o tédio maior então,
Serão as tardes mais lindas
E é dentro desse panorama onírico e translúcido que She Science se desenvolve; delicados tratados indie-punk montados sobre estrutura psicodélica, emoldurando narrativas não-lineares. Não é o melhor disco do Wry, mas mantém a banda no primeiro escalão do pop brasileiro que vale a pena.
Em português claro: Flames in the Head, de 2006, ainda é o disco definitivo do Wry, e She Science não ameaça sua posição. Mas, depois de eviscerado e exposto, revela (além de sua nada óbvia beleza musical) um novo Wry: amadurecido-porém-inquieto, positivamente incomodado e ainda claramente disposto ao risco da criação.
O Wry está morto. Vida longa ao Wry!
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