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segunda-feira, dezembro 28, 2009

Qualidade e Correria

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Fugi da folga só pra subir a opinião do Mateus Potumati, na sequência da enquete de fim de ano interrompida pelas atividades protocolares de Natal e aniversário.




E no reveillon, o que é que vira?







Melhor disco:
Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe - E.m.i.c.i.d.a.


Em vez de falar do melhor disco do mundo em 2009 (que pra mim foi mesmo o magnífico Merryweather Post Pavillion, do Animal Collective), prefiro falar de um lançamento importante pro Brasil no ano que passou. A importância já começa pelo fato de que o próprio cara que assina a obra não a chama de disco, mas de mixtape. Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe, do rapper paulistano E.m.i.c.i.d.a., nasceu sem a pretensão de ser um disco. Era mais uma carta de intenções do moleque (22 anos quando lançou a mix) magrelo que mora no Tucuruvi, mas na verdade é do Cachoeira, ambos bairros no extremo Norte da cidade de São Paulo. Ele, até então um talento desconhecido das batalhas de MCs, achava que não tinha “o direito” de colocar um disco nas ruas para as pessoas comprarem pelo preço de mercado. Fez um disco em CD-R, com capa de papel de pão e impressão feita com alguma coisa muito parecida com um mimeógrafo. Gravou 25 faixas do jeito que deu e botou a parada na rua no mês de julho. A DOIS REAIS.

O que veio depois disso foi um fenômeno raro – pra não dizer único – na música brasileira: em duas semanas, 3 mil discos vendidos, praticamente de mão em mão (o próprio rapper chegou inclusive a tirar o disco de algumas lojas que burlaram o acordo e o vendiam a 10, 20 reais). Não sei mais onde parou a conta, mas mesmo que o disco tenha sido um fracasso de vendas depois disso deve ter passado fácil dos 15 mil em seis meses. Pra se ter uma ideia, as gravadoras brasileiras, com uma estrutura infinitamente maior em todos os sentidos, comem o pão que o diabo amassou pra tentar passar a linha de 50 mil cópias vendidas e ganhar um disco de ouro. Depois disso, o E.m.i.c.i.d.a. rodou o Brasil inteiro fazendo shows, apareceu em toda a imprensa, concorreu ao VMB. Não ganhou, mas isso não tem importância nenhuma: o clipe de “Triunfo” já soma mais de 200 mil views no YouTube e o Twitter do rapper já se aproxima de 6 mil seguidores.

Por que isso aconteceu? Basicamente, duas coisas: qualidade e correria. O E.m.i.c.i.d.a. é o cara mais punk do Brasil hoje, mesmo sem segurar uma guitarra e tocar três acordes – aliás, quem acha que ser punk é isso precisa voltar pra escola ou esquecer desse lance de música de uma vez. Não chegou até aqui sozinho, e não só sabe disso, como faz da coletividade seu lema (“A rua é nóiz”, estampado em versos, sites, camisetas etc., com direito até a ilustração ensinando a fazer um N com as mãos). Seu Na Humilde Crew, basicamente um bando de amigos que andam com ele de cima pra baixo, se divide nas tarefas de administrar vendas de discos, camisetas, turnês e afins. Mas nada disso adiantaria se a música do cara não batesse. E bate, como bate. O E.m.i.c.i.d.a. tem coisa pra falar, e fala com uma galera da idade dele, com valores musicais abertos, arejados, longe da mentalidade tacanha que diz que só se pode gostar de rap, ou de rock, ou de metal, de punk, de eletrônica, de samba.

Pra Quem Já Mordeu... é rap até o talo, óbvio, mas tem uma musicalidade que transcende os clichês do gênero. Não é um disco gangsta, não é indie hip hop, não é rap-com-samba pra tocar na MTV. É música pura, aberta a quem estiver disposto a ouvir.

Melhor Música:
"Summertime Clothes” - Animal Collective.

O mundo inteiro votou em “My Girls”, que provavelmente é mesmo a música mais importante do ano, mas essa é a minha faixa favorita de Merryweather Post Pavillion. A entrada parece uma lavadora de roupas e o refrão parece algo que o Flaming Lips ou os Beach Boys fariam, só que com ácido sulfúrico despejado por cima. A letra parece, de começo, só um cara tentando se refrescar numa noite muito quente, mas logo mostra que o barato mesmo é sair pra dar um rolê com uma pessoa especial. “And I want to walk around, around with you/ Just you, just you, just you, just you” dá arrepios toda vez que eu escuto.

Melhor show:
Dirty Projectors em Goiânia.

Tudo bem, o Radiohead foi ducaralho. Não faço parte do coro de contrários que insistem em negar que o grupo inglês é uma das bandas de rock mais importantes da história, que gravaram discos fundamentais em duas décadas seguidas e blá, blá, blá. Mas a experiência musical do ano pra mim foi ver os Dirty Projectors em Goiânia. Eles estão no auge, gravaram um dos melhores discos da década este ano, têm a coragem de levar adiante uma proposta musical que no papel tem tudo pra ser insuportavelmente chata e empolada, mas que no disco e ao vivo é simplesmente arrebatadora. Sem canhões de luzes, sem dezenas de caminhões com equipamento, num palco pequeno para umas 100 pessoas, se muito.

Difícil de acreditar que tanta gente ignorou os três shows da banda no Brasil.



Mateus Potumati é editor da revista +SOMA e editor de conteúdo do Kultur Studio.













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