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A semana passada foi tensa. Além do sufocante acúmulo de trabalho na agência, tomei, em horário de expediente, a primeira dura da polícia na minha vida adulta. Explico: para fechar uma campanha, tive que ir acompanhar as gravações de um VT cujo roteiro eu assinei. De manhã correu tudo bem, locação no setor sul, fácil de encontrar, a equipe frenética na função... enfim, tudo como deveria ser. Pausa pro almoço e o diretor, solícito, me diz: te ligo depois de comer pra avisar o horário certinho da gravação no campinho de futebol. Ok.
Quase três da tarde e nada do diretor ligar. O celular? Direto na caixa. Fui assim mesmo, pescando na memória as informações que o pessoal da produção tinha trocado entre si. Rua J-2, setor Jaó, academia na esquina com campinho de futebol. Acho que é isso.
Errei a primeira, mas na segunda fui em cima. Estranhamente a academia (e o campinho de futebol) estava deserta. Parei na sombra, abri a porta do carona pra ventilar e assim fiquei, esperando. Quase meia hora depois, celular do diretor ainda desligado, finalmente chega alguém para abrir a academia. Pergunto e ela estranha: Gravação aqui?! Acho que você tá enganado, hein. Tem outra academia com campinho de futebol na J-2? Não, só essa aqui mesmo. Tudo bem, obrigado, vou esperar mais um pouco.
Mais meia hora e eu já estava prestes a ligar o carro e voltar pra agência quando vejo pelo retrovisor uma viatura da polícia militar parando no meio da rua, logo atrás de mim. Segui acompanhando os dois soldados descerem, cautelosos, armas em punho. Assustado, olhei para trás, o que pareceu assustar os guardas também. Do lado de lá da mira de uma automática ouvi a ordem roncar, imperativa: Saia do carro com as mãos na cabeça!
Agora cercado por um soldado e um sargento armados, não achei prudente tentar explicar nada, só me ouvi balbuciando um “estou trabalhando”, ao mesmo tempo em que pensava como devia soar ridículo essa frase aos ouvidos de um PM. Uma versão policial para o “não é nada disso que você está pensando” das histórias “românticas”.
Decepcionado comigo mesmo por deixar escapar um clichê tão desprezível numa hora tão humilhante, senti o sargento apalpando minuciosamente minhas vergonhas no meio da rua, sob o olhar espantado de dois pedreiros de uma obra em frente, das atendentes da academia e de alguns poucos alunos que haviam chegado para a musculação.
Você tem armas, drogas ou qualquer ilícito dentro do carro, cidadão? Não senhor. E você trabalha com o quê, filho? Sou publicitário, senhor. E o que é que está fazendo parado aí? Estou esperando uma equipe de filmagem, senhor. Filmagem do quê, meu filho? De um comercial de televisão, senhor. E cadê essa equipe? Eu gostaria de saber, senhor...
O interrogatório se repetiu por mais algumas vezes, esperando por qualquer contradição nas respostas, enquanto meu carro era revistado minuciosamente e eu ouvia o sargento me dizer que um homem só, sentado no banco do motorista de um automóvel com a porta do carona aberta e parado em frente a um estabelecimento comercial, é cena típica de assalto em andamento, como se eu estivesse ali esperando meu “parceiro” fazer um ganho no caixa da academia.
Mas como eu não tinha o tal parceiro, não carrego um fuzil nem um punhal hemorrágico, e não tenho o costume de transportar crac ou cocaína, logo os policiais desengrossaram o discurso, deixando a gravidade militar de lado e assumindo um tom levemente amistoso. Desculparam-se pelo inconveniente justificando com outro clichê: é o nosso trabalho.
Recém-liberado pela autoridade policial, saí pensando cá com meus botões que, apesar do meu constrangimento, eu não tinha motivos para amaldiçoar a polícia. Eu estava mesmo em atitude suspeita (ainda que nem suspeitasse disso), e até eles verificarem, não haveria como saber se eu era ou não o cidadão pacífico e legalista que sou. Admitir talvez não seja fácil, mas o chavão é verdadeiro, esse é o trabalho deles, e eles até que fizeram bem feito.
segunda-feira, agosto 02, 2010
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Um comentário:
Cara, brilhante seu post! Também já fui abordado numa manhã corriqueira para só então perceber que eu estava mesmo com cara de suspeito que mata velhinhas! A polícia muitas vezes é criticada pela sua abordagem. Mas eu não vejo ninguém correndo igual doido em direção ao perigo como eles. Então, até prova em contrário, sempre sou pró-polícia!
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