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quinta-feira, dezembro 09, 2010

Gilberto Gil - Refazendo

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Futurível, o show do ex-Ministro e eterno tropicalista Gilberto Gil com o trio cuiabano Macaco Bong, na última edição do Goiânia Noise Festival, dividiu opiniões. Pouco antes de subir ao palco e, ao mesmo tempo, provocar o delírio de seu enorme fã-clube e suscitar certo estranhamento em quem esperava pelas versões originais de seus sucessos, Gilberto Gil falou com o goiânia rock news, numa entrevista dividida com os cinegrafista Piva Barreto e Uliana Duarte (Nona Nuvem). Siga a letra:


Gil+Macaco Bong (passagem de som)


Como aconteceu esse encontro entre você e o Macaco Bong?
Gilberto Gil – Eu não conhecia o Macaco Bong, e o Cláudio Prado, que é companheiro de jornadas há muitos anos, desde Londres, me disse “Olha tem uns meninos lá de Cuiabá que eu acho interessante você prestar atenção e eventualmente fazer alguma coisa com eles”. Aí surgiu a oportunidade com esse trabalho, que foi para o Fórum de Cultura Digital do Ministério da Cultura, e esse convite aqui do Goiânia Noise, com a Universidade de Goiás. E eu deixei que os meninos fizessem a abordagem conceitual, já que a iniciativa vinha mais deles, e já que eles são jovens, são os Fora do Eixo, essas coisa todas. Pegaram umas oito canções, deram o tratamento que eles quiseram dar, evidentemente dentro da expectativa não-convencional que é o elemento básico do trabalho deles, e eu entrei com um certo gosto que tenho por essas experimentações mais livres, com a receptividade ao trabalho deles. Então fui adaptando “Aquele abraço”, “Palco”, “Essa é pra tocar no rádio”, “Vitrines”, e deixei que eles fizessem os arranjos, que ganharam outra segmentação rítmica, tempos variados, múltiplos, tudo isso que é típico do trabalho deles, e minhas canções, que também acabaram fragmentadas, também nas letras, et cetera. E isso pra fazer esse trabalho que não é o deles nem o meu, é uma terceira maluquice (risos). Porque o público é mais deles que meu. É um público jovem, de rock, é o público desses festivais, que espera que as coisas sejam mais aos moldes do que eles fazem do que do que eu faço.


Você é um artista de festivais. Fez muitos festivais a vida inteira...
Gil – Muitos!


Por que festival é importante?
Gil – Primeiro porque é festival! Quer dizer, os festivais se consagraram no mundo inteiro como um dos espaços de reunião da cultura jovem, com tudo o que isso significa: atitude, irreverência, modos não-convencionais de se vestir, de se comportar. Grandes aglomerações, toda essa cultura do amor, de intercâmbio afetivo profundo, que vai até as últimas consequências, com toda uma dimensão de liberação sexual também, tudo isso os festivais trouxeram, investiram forte. Desde Woodstock, Ilha de Wright, os grandes festivais americanos, europeus, depois os brasileiros. E depois, essa dimensão do Fora do Eixo, que é uma coisa importante também. Não são festivais realizados pelos grandes empreendedores, com grandes interesses comerciais envolvidos. Evidentemente que tem algum interesse comercial, é preciso remunerar as bandas, os promotores, os realizadores, mas o grande objetivo, o principal, não é ainda a meta comercial, é a meta cultural, é a música e toda essa cultura que cerca os festivais. Então, eu diria que esses dois aspectos são os principais.


Você disse que não conhecia o trabalho do Macaco Bong antes de surgir a oportunidade dessa parceria...
Gil – Não, não conhecia.


Gil+Macaco Bong (passagem de som)


Mas e depois? Imagino que você tenha escutado o disco, o que achou?
Gil – Ainda não escutei. Eles, Bruno, Ney e Ynaiã, deram o disco para o Bem, meu filho, que só não veio hoje porque foi ao show do Paul McCartney. Mas eu ainda não ouvi, o Bem ficou de me passar o disco. Agora, eu vi a apresentação deles em São Paulo, quatro números surpreendentemente interessantes. Pelas informações que eu tinha, que vieram do Cláudio, eu não duvidava da proficiência, da competência, do caráter interessante do trabalho deles, porque eu confio no Cláudio, que é um aficcionado por música, acompanha especialmente esse campo do rock n’ roll há muitos anos, desde Londres. Então eu confiava na recomendação dele, mas as informações que ele me deu davam conta de uma coisa num estilo mais blues, sabe, hendrixiano, e o que o Macaco Bong faz não é isso, é uma música quase... não diria atonal, mas com muitos elementos de atonalidade, com uma fragmentação rítmica que é ousada. O que eu ouvi lá em São Paulo me deixou surpreso mesmo, e agora eu vou ouvir o disco. Eles já estão no segundo, terceiro disco?


Primeiro.
Gil – É o primeiro disco?! É uma coisa arrojada, porque mesmo na área do rock n’ roll e da música jovem, os estilos, os conceitos de sonoridade, de rítmica, de formatação de músicas, são mais ou menos convencionais. É o blues, são os elementos latinos, que depois do Phil Spektor - o grande produtor que explorou esse campo, explorou as batidas do baião, transportou as batidas árabes do baião pro rock n’ roll, ali na California especialmente. E esses foram os formatos que se propagaram pelo mundo, então o rock n’ roll também já é uma música convencional hoje em dia. Claro que com discrepâncias aqui e ali, mas é basicamente uma música convencional também. E esses meninos procuram fugir um pouco, fazem uma música que é mais... Eu diria que está mais para o gosto experimental, do que para o gosto convencional.


Gil+Macaco Bong - O show
(observado atentamente pelo Cláudio Prado)


Depois de ocupar o cargo de Ministro, e enxergar o cenário cultural do ponto de vista do Governo, como você vê o papel da cultura através da revolução digital?
Gil - Olha, eu acredito muito no imperativo tecnológico, imposto pelas tecnologias novas. São tecnologias que trabalham na perspectiva, primeiro, de uma popularização muito grande, universalização de acesso. Todo mundo começa a ter acesso a banda larga, os vários elementos da tecnologia digital, desde câmeras até os terminais em celulares, computadores. Isso está fazendo uma quantidade enorme de pessoas no mundo inteiro produzir material, texto, música, ciência, política. E eu não creio que a grande indústria mundial, as telecomunicações, os grandes fabricantes, tenham feito isso sem essa expectativa. Aliás, fizeram com essa expectativa, de horizontalização, de esparramamento dessas possibilidades pra todo mundo. Agora, o sistema de maneira geral tem que se defrontar com essa problemática nova, criada pela tecnologia e pelo consumo dela. Uma série de questões sobre propriedade intelectual, como saber, e remunerar, quem é titular de direito autoral. Essa coisa dos conteúdos gerados pelo consumidor, pelo usuário de telefonia celular, computador, a relação entre Estado e sociedade civil, papel regulatório do Estado, papel distribuidor do mundo empresarial. Como se enfatiza a questão do compartilhamento? Do software livre, dos códigos abertos, quem é dono, como é que a gente estabelece quem tem direito ao que, se são direitos coletivos? As redes sociais, essa produção toda que é feita em rede... Por exemplo, um dos últimos aviões da Boeing foi produzido a partir de um programa de design compartilhado por mais de 120 mil pessoas (risos), que trabalharam no site da empresa pra desenhar essa aeronave. Provavelmente a Boeing se preveniu, assinou um contrato com esse pessoal todo, mas e no futuro? No cinema de Hollywood, os efeitos especiais dos grandes filmes são feitos por centenas, milhares de pessoas trabalhando em código aberto. Quer dizer, como é que vai se estabelecer a propriedade disso? Isso é dos estúdios produtores, da Fox, da Paramount? Ou não, isso é de todo mundo que fez? Os meninos que baixam arquivos de outros meninos, com milhares de músicas, podem ser criminalizados, devem ser criminalizados? São questões que estão sendo muito discutidas em todos os lugares. O Partido Pirata já entrou na política na Alemanha, na Suécia, na Espanha, no México, em vários outros países. São questões com as quais a sociedade contemporânea vai ter que se defrontar seriamente. Não adianta ficar dizendo “Ah, mas não pode, é ilegal!”. As leis têm que se adaptar às novas realidades, e não o contrário. Essa é uma questão com que os Estados, legisladores, órgãos reguladores, a sociedade civil, os autores (a velha autoralidade, quem é autor disso, quem é autor daquilo), vão se defrontar. É tudo muito novo. O imperativo tecnológico jogou esse problemão no colo da sociedade contemporânea, e não tem jeito, agora ela vai ter que se debruçar sobre isso.


E dessa nova música brasileira, o que você tem prazer em ouvir?
Gil – Olha, a coisa que mais me agrada hoje é o trabalho que gira em torno do Arnaldo Antunes, e de tudo o que ele atrai, como maneiras variadas de músicos jovens tocarem. Tem as bandas também, uma quantidade enorme de bandas novas por aí, que eu eventualmente escuto aqui e ali. Um número muito grande de moças, meninas né, crooners. Cantoras liderando bandas, algumas interessantíssimas, umas dedicadas ao lado mais folk da música brasileira, como é o caso da Roberta Sá no Rio de Janeiro, e toda essa meninada. Gente com muita potência, como é o caso da Ivete, com a disposição pra disputar o espaço pop internacional. Porque isso é interessante também, é preciso haver pessoas dedicadas a essa vertente da música de business, da música de grandes negócios, mas com muita qualidade, com muito talento, como é o caso da Ivete. Tem uma série de orquestras interessantes aparecendo, a primeira delas foi a Imperial, no Rio, depois a Rumpilezz, os meninos do Recife, da Spok Frevo Orquestra, esse é um lado importante também, porque recupera a música instrumental no Brasil. São trombonistas, trompetistas, saxofonistas, pandeiristas, crooners.


Você falou de uma nova geração de cantoras, e a influência quase onipresente dessa geração vem de uma contemporânea sua. Concorda que a Gal Costa é a cantora mais influente do Brasil, hoje?
Gil – É, quase onipresente! Eu diria sim. Por causa da qualidade vocal extraordinária, ao mesmo tempo o ecletismo, porque Gal cantou de tudo, fez investidas importantíssimas na área do rock, com Pepeu, com Jorginho, com Lanny, com A Bolha, enfim...


Dá pra dizer que o disco mais radical da Tropicália é da Gal?
Gil – É! O Fa-Tal...


O disco psicodélico de 69 também...
Gil – É! O 69 e depois o Fa-Tal. Enfim, se você pega desde Marisa Monte pra cá, que é, digamos assim, um marco... Ela representa a chegada dessas moças mais jovens todas. A Marisa era isso, uma reverência muito clara ao trabalho que Gal fez, a tudo que Gal significou. E todas essas meninas... eu falei da Roberta Sá, que é um exemplo claro também desse tipo de reverência, de meninas que se dedicaram à manifestação da excelência da voz, o gosto pela afinação, todas essas coisas. Isso tudo é Gal Costa. Elis Regina também (risos).




4 comentários:

Artiaga disse...

..legal a entrevista.. e interessante perceber como tudo q é revolucionário depois de aceito se padroniza, o gil falando do rock e das novas questões q emergem do software livre e copyleft, é realmente um cara com muito vigor mental! e como ele proprio disse no show com os 'bongs' "minha musica careta, quadrada" mesmo ele tão revolucionario se padronizou, mas sempre irrompe na busca de se reinventar! gostei muito do show porque a arte não precisa ser só bonitinha e prazerosa, as vezes ela tem que parir um novo tempo, e junto vem todo o desconforto, incerteza e dores do parto.

Ney Hugo - Cubo Comunicação disse...

muito bom hígor. curti demais essa entrevista, alto nível. abração

Alvaro Santi disse...

Minha parte preferida é aquela em que ele fala "é preciso remunerar as bandas" : )))
Álvaro Santi (Porto Alegre)

Ney Hugo - Cubo Comunicação disse...

Eu prefiro: "Não são festivais realizados pelos grandes empreendedores, com grandes interesses comerciais envolvidos. (...) mas o grande objetivo, o principal, não é ainda a meta comercial, é a meta cultural, é a música e toda essa cultura que cerca os festivais. (...) São tecnologias que trabalham na perspectiva, primeiro, de uma popularização muito grande, universalização de acesso"......... E claro, a citação ao partido pirata. abs