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quinta-feira, janeiro 27, 2011

Os melhores de 2010 (XVI)

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Último convidado da enquete do grnews a enviar suas impressões sobre os melhores da música em 2010, Diego de Moraes encerra a pesquisa dissertando sobre o que mais escutou no ano passado. Até o dia 31 próximo, os números finais dessa conta aparecem por aqui.

Itamar Assumpção - Caixa Preta


Algumas impressões sobre o que ouvi no ano que se foi.

CANÇÃO
Uma canção que “bateu” forte em mim foi a "Sem destino", faixa-título do último cd do Luiz Tatit. O álbum não está entre os melhores – nem do ano, nem da discografia dele –, mas a música é fantástica e a coloco na minha lista. Não vi ninguém falar sobre esta. Parece que passou despercebida.

Luiz Tatit - "Sem Destino"


Lógico, não nasceu pra ser hit. No entanto, apesar desta canção ser uma pérola escondida, fala muito sobre as pessoas, hoje. E (por que não?) sobre o mundo da música: “Sem Destino”. “Nunca os fatos são de fato fatais”. A ausência de uma sina, de um caminho definido, parece angustiar alguns artistas, que vagam sem saber direito pra onde ir, sem um norte, sem previsão e, ainda assim, com humor e ironia diante da constatação do “puro por acaso” – não que isto seja um “mal em si”. Isso também abre caminhos, pro cara curtir tanto um "Balão" (lindo samba do Eduardo Goiaba, no disco da Gloom) ou rir e pensar com "Eu Não Sei de Nada" da Galinha Preta. O cara pode escolher Stones e Beatles, John e Paul.

SHOWS
2010 fica na minha lembrança como um ano de shows. Já no carnaval, em Pirenópolis, eu mais a Ksnirbaks batemos um grande papo com o tropicalista Lanny Gordin, que orientava: “tocar sem pensar, só sentir”. O show é bem isso. É a festa. Sentir o som. É por isso que o cd pode falir, mas o show, não. “O show vai continuar”, canto. Em Uberlândia, no “DOIDIMAI” (02 de maio) – quando fui lá tocar com o Waldi & Redson (que lançará disco em 2011) – falei pro Jards Macalé: “Poxa, cara, você disse que todos do Tropicalismo se odeiam; mas o Lanny me disse que ama todo mundo”. Jards respondeu: “O Lanny é um anjo.” E o anjo torto Macalé tocou naquele dia, a pedido de Ksnirbaks, "Soluços". Um show de arrepiar: ele lacrimeja, sente cada palavra que canta, pois sabe que “toda palavra guarda uma cilada”, como dizia o Torquato. Também me lembro com carinho de um show do Cidadão Instigado, no Studio SP, que presenciei, extasiado, Catatau e sua trupe executar com maestria a timbreira do Uhuuu!. Cada detalhe da música do Cidadão parece arquitetado, apesar de em alguns momentos existir a “aura” de improviso.

E.M.I.C.I.D.A. - Feira da Música de Fortaleza


Mestre do improviso foi o Emicida paralisando a Feira da Música de Fortaleza, em agosto – aquele show foi uma aula de hip-hop bem feito e incisivo. Nem preciso repetir que Macaco Bong e convidados, no Noise, foi um momento de catarse coletiva, inexplicável. Agora, a grande amargura de 2010, que trago no coração, foi não ter visto o show do Arrigo interpretando Lupicínio, pois toquei naquele dia – e olha que fui o primeiro cidadão do estado de Goiás a escrever sobre isso (tanto no meu blog – quando o vi em 2008 fazer o cover de “Esses Moços” em Brasília, quanto em uma revista acadêmica sobre história e música, em 2009). Ah! E teve outro, que não poderia esquecer: Milton Nascimento e Lô Borges no Rio Vermelho. É... 2010 foi um ano “show”. Preciso parar de reclamar da vida à toa, e curtir cada vez mais a festa que é o show ao redor.


DISCOS
Bom. Pra mim, é lógico, o disco mais importante de 2010 foi o Parte de Nós, esse nosso álbum de fotografias sonoras (pra gente) e cartão de visitas (pro público), que finalmente foi prensado (Jah!). E já sonhamos com o passo seguinte.

É complicado falar sobre qual foi “o” melhor, viu? Dentre os que escutei, acho que o Mafaro do André Abujamra está entre os melhores – embora não figure na maioria das listas que li por aí. Neste disco, muito bem gravado e cheio de detalhes, tem uma boa dica para os críticos: “Preste atenção nas coisas que não chamam atenção”. Mafaro é um disco em louvor à alegria: dançante e poético, épico e engraçadinho: disco, filme, show – tudo junto. André, esse cidadão do mundo, que é mais reconhecido lá fora do que aqui, define bem: “o mundo de dentro da gente é maior do que o mundo de fora da gente”. Em seu álbum anterior já dizia: “todo geninho tem um pouquinho de bobo”. E o genial Mafaro é assim: passagens brilhantes e outras que de tão “bobinhas” são também brilhantes no contexto do disco.

Em uma das entrevistas sobre o disco, Abujamra diz algo que concordo plenamente: “existem coisas boas no que você não gosta e coisas ruins no que você gosta”. Pensando assim, ele levou participações distintas, de Marisa Orth à Luiz Caldas, para esta obra de arte cosmopolita “espaiano” alegria, imaginação, amor e humor nesse mundo. Destaque para a metaleira violenta por sobre uma mistura rítmica fuderosa que te leva do Brasil à tribos africanas, e, ainda assim, sendo cultura pop. Não sei se foi o melhor do ano, mas tenho certeza que foi o melhor pra se colocar no foninho e sair caminhando pela cidade, entre os prédios e a multidão.

Tiveram vários outros álbuns que chamaram a atenção, principalmente no que diz respeito à sofisticação da produção. Tanto Tulipa Ruiz, quanto Marcelo Jeneci, produziram lindos discos com personalidade e com a consciência do efêmero e que (devido à inspiração, sutileza e cuidado) não foram “feitos para acabar". É bom pontuar que Tulipa, enquanto ilustradora, já deixava seu traço nos shows de Ná Ozzetti e Jeneci tem parcerias com Luiz Tatit. Aliás, pra fechar este parágrafo, sublinho que a parceria de Tatit e Jeneci, "Por que Nós?" ,tem versões diferentes nos cds lançados por cada um dos dois no ano que se foi. Essa música parece traduzir um pouco tanto do significado do Grupo Rumo (na geração dos anos 80), quanto, também, o de Tulipa e Jeneci, hoje, na cultura independente brasileira: “Éramos célebres líricos/ Éramos sãos/ Lúcidos céticos/ Cínicos não/ Músicos práticos/ Só de canção/ Nada didáticos/ Nem na intenção/ Tímidos típicos/ Sem solução/ Davam-nos rótulos/ Todos em vão/ Éramos únicos/ Na geração/ Éramos nós dessa vez”... Nós, conscientes do fim sempre iminente, como canta Karina Buhr: “Em todo mundo dá cupim/ vira pó só”.

Dos discos goianos, gostei muito do bonito e melancólico Passagem do Mersault e a Máquina de Escrever, documento da “crise dos 30” e ótima produção do meu companheiro sindicalista Eduardo Kolody. O do Mechanics trouxe um dos melhores encartes – inclusive por causa do processo como aquelas cartas foram feitas pelo Lauro Roberto – que representou bem a atmosfera obscura de um disco cheio de ódio no coração. E ri muito com as gravações do Doentes do Amor, banda do Afonsin do Capim Pub: “Você não se lembra de mim porque sou underground”.

Agora, o melhor do ano foi o lançamento da Caixa Preta do Itamar Assumpção – com os 2 inéditos da trilogia Pretobrás. Itamar tá lá: a palavra precisa, o baixo encorpado, os contratempos e contrapontos, o contraste da voz grave e o agudo das backing vocals, mais o toque: “quem quer fazer boa música sabe a importância da pausa”. O suingão é tão violento que nem dá vontade de escrever uma resenha, mas, sim, de largar esse computador e ir dançar lá na sala. Parece sina de compositor “maldito” deixar discos póstumos no baú – lembro-me do Cruel do Sérgio Sampaio. Também parece sina de artista “maldito” negar esse rótulo. Ironicamente, o 2º da trilogia Pretobrás chama-se Maldito Vírgula. Bendito Nego dito!

Itamar Assumpção - "Devia ser Proibido"


A faixa título do Pretobrás III, "Devia ser Proibido", música de Itamar pra letra de Alice Ruiz, é de fazer chorar. Fico imaginando a banda, incluindo o produtor Paulo Lepetit, e Zélia Duncan, sentindo uma “saudade tão má de uma pessoa tão boa”, gravando esta, por cima da voz e do singular violão de Itamar. Na enorme lista de participações tem desde Elza Soares (chorando no fim da faixa que leva seu nome) até Ney Matogrosso, que nos anos 80 batizou um de seus discos com uma frase clássica do repertório de Itamar: “Quem não vive tem medo da morte” (frase esta que, no século XXI, ressuscitaria em uma canção dos Porcas Borboletas – presença marcante no lançamento histórico da Caixa). Itamar perseguia, mesmo no leito de morte, a sua arte rumo ao impossível. “Bonita a palavra perseguir”. Um construtor de aliterações que, mesmo vendo o fim se aproximando, mesmo sentindo “o bafo da morte no cangote”, mesmo “com medo da escuridão”, conseguia rir. O lançamento mais “vivo” do ano foi de um morto. Itamar Assumpção. Imortal Itamar.



Diego de Moraes
é cantor, compositor e líder d'O Sindicato.




Um comentário:

Anônimo disse...

bem lembrado Itamar Assumpção!