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"Quem se importa de onde vem a bala? Qualquer dia tu acorda cheio.
Quem se importa de onde vem a grana? Tu tem que ter o bolso cheio."
sexta-feira, outubro 29, 2010
quarta-feira, outubro 27, 2010
terça-feira, outubro 26, 2010
segunda-feira, outubro 25, 2010
Pintando Um Novo Mundo
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Ontem, debaixo do sol causticante que torrou a tarde de mais um domingo goianiense, fui ver o painel principal do projeto Pintando Um Novo Mundo.
O projeto, que é patrocinado pela Petrobras e realizado pela Funarte e pelo Ministério da Cultura, além do painel destinado aos convidados contou ainda com oficina de grafite, dois outros murais dedicados a 15 artistas locais e mesa redonda realizada hoje de manhã na casa do hip hop/CENEG-GO.
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Ontem, debaixo do sol causticante que torrou a tarde de mais um domingo goianiense, fui ver o painel principal do projeto Pintando Um Novo Mundo.
Fotos deste post: João Tavares
(Clique na imagem para ampliar)
(Clique na imagem para ampliar)
O afresco reservado aos artistas convidados Dalata (BH), Onesto (SP), Kboco (GO), Onio (DF), Selon (GO) , Ocyo (GO), Trampo (POA), Frg (SP) e Dme (SP) já estava praticamente finalizado quando pisei o asfalto quente da avenida Anápolis, depois do fim do Jardim Novo Mundo – periferia de Goiânia, mas alguns dos pintores ainda gastavam suas últimas cores nos derradeiros retoques e correções.
O projeto, que é patrocinado pela Petrobras e realizado pela Funarte e pelo Ministério da Cultura, além do painel destinado aos convidados contou ainda com oficina de grafite, dois outros murais dedicados a 15 artistas locais e mesa redonda realizada hoje de manhã na casa do hip hop/CENEG-GO.
16º Goiânia Noise Festival
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Se fosse um cidadão, o Goiânia Noise Festival já teria idade para votar (em quem eu não sei, mas...). Aí embaixo você confere a lista de convidados para a festa do adolescente mais charmoso do rock nacional. Depois voltamos ao assunto.
17/11 (quarta feira) - Compacto Petrobras
Centro Cultural Martim Cererê
01h00 – Macaco Bong (MT) e convidados
(Vitor Araújo (PE) + naipe de metais dos Móveis Coliniais de Acaju (DF) + Jack – Porcas Borboletas (MG))
00h00 – Lucy and The Popsonics (DF) + John Ulhoa (Pato Fu) (MG)
23h00 – Superguidis (RS) + Philippe Seabra (Plebe Rude) (DF)
22h00 – Gloom (GO) + Diego de Moraes e O Sindicato (GO)
18/11 (quinta feira) - Unconvention Factory Brasil
Centro Cultural Martim Cererê
01h00 – Violins (GO)
00h20 – Mugo (GO)
23h40 – Johnny Suxxx and The Fucking Boys (GO)
23h00 – Hellbenders (GO)
22h20 – Dyskreto (GO)
21h40 – Space Monkeys (GO)
21h00 – Hot & Hard Co. (GO)
19/11 (sexta feira)
Centro Cultural Martim Cererê
02h00 – Krisiun (RS)
01h10 – Otto (PE)
00h30 – Black Drawing Chalks (GO)
00h00 – Nina Becker (RJ)
23h30 – Walverdes (RS)
23h00 – Viv Albertine (The Slits) (Reino Unido)
22h30 – Volantes (SP)
22h00 – El Mató A Un Policia Motorizado (Argentina)
21h30 – Spiritual Carnage (GO)
21h00 – Bang Bang Babies (GO)
20h30 – Fígado Killer (GO)
20h00 – banda selecionada pelo Toque No Brasil
19h30 – Trivoltz (GO)
19h00 – Folk Heart (GO)
20/11 (sábado)
Centro Cultural Martim Cererê
02h00 – Musica Diablo (SP)
01h10 – The Mummies (EUA)
00h30 – Cólera (SP)
00h00 – Mechanics (GO)
23h30 – 3 Hombres (SP)
23h00 – Do Amor (RJ)
22h30 – Vespas Mandarinas (SP)
22h00 – Ecos Falsos (SP)
21h30 – Bandanos (SP)
21h00 – Dizzy Queen (ES)
20h30 – Cuartro Invitados (Argentina)
20h00 – banda selecionada pelo Toque No Brasil
19h30 – Ímpeto (GO)
19h00 – Posthuman Tantra (GO)
21/11 (domingo)
Ambiente Skate Shop
19h00 – Galinha Preta (DF)
18h15 – WxCxM (GO)
17h30 – Ultravespa (GO)
16h45 – Radiocarbono (GO)
16h00 – Black Queen (GO)
21/11 (Domingo)
Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Goiás
20h00 – FUTURÍVEL: Gilberto Gil * Macaco Bong
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Se fosse um cidadão, o Goiânia Noise Festival já teria idade para votar (em quem eu não sei, mas...). Aí embaixo você confere a lista de convidados para a festa do adolescente mais charmoso do rock nacional. Depois voltamos ao assunto.
16º Goiânia Noise Festival
17/11 (quarta feira) - Compacto Petrobras
Centro Cultural Martim Cererê
01h00 – Macaco Bong (MT) e convidados
(Vitor Araújo (PE) + naipe de metais dos Móveis Coliniais de Acaju (DF) + Jack – Porcas Borboletas (MG))
00h00 – Lucy and The Popsonics (DF) + John Ulhoa (Pato Fu) (MG)
23h00 – Superguidis (RS) + Philippe Seabra (Plebe Rude) (DF)
22h00 – Gloom (GO) + Diego de Moraes e O Sindicato (GO)
18/11 (quinta feira) - Unconvention Factory Brasil
Centro Cultural Martim Cererê
01h00 – Violins (GO)
00h20 – Mugo (GO)
23h40 – Johnny Suxxx and The Fucking Boys (GO)
23h00 – Hellbenders (GO)
22h20 – Dyskreto (GO)
21h40 – Space Monkeys (GO)
21h00 – Hot & Hard Co. (GO)
19/11 (sexta feira)
Centro Cultural Martim Cererê
02h00 – Krisiun (RS)
01h10 – Otto (PE)
00h30 – Black Drawing Chalks (GO)
00h00 – Nina Becker (RJ)
23h30 – Walverdes (RS)
23h00 – Viv Albertine (The Slits) (Reino Unido)
22h30 – Volantes (SP)
22h00 – El Mató A Un Policia Motorizado (Argentina)
21h30 – Spiritual Carnage (GO)
21h00 – Bang Bang Babies (GO)
20h30 – Fígado Killer (GO)
20h00 – banda selecionada pelo Toque No Brasil
19h30 – Trivoltz (GO)
19h00 – Folk Heart (GO)
20/11 (sábado)
Centro Cultural Martim Cererê
02h00 – Musica Diablo (SP)
01h10 – The Mummies (EUA)
00h30 – Cólera (SP)
00h00 – Mechanics (GO)
23h30 – 3 Hombres (SP)
23h00 – Do Amor (RJ)
22h30 – Vespas Mandarinas (SP)
22h00 – Ecos Falsos (SP)
21h30 – Bandanos (SP)
21h00 – Dizzy Queen (ES)
20h30 – Cuartro Invitados (Argentina)
20h00 – banda selecionada pelo Toque No Brasil
19h30 – Ímpeto (GO)
19h00 – Posthuman Tantra (GO)
21/11 (domingo)
Ambiente Skate Shop
19h00 – Galinha Preta (DF)
18h15 – WxCxM (GO)
17h30 – Ultravespa (GO)
16h45 – Radiocarbono (GO)
16h00 – Black Queen (GO)
21/11 (Domingo)
Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Goiás
20h00 – FUTURÍVEL: Gilberto Gil * Macaco Bong
sexta-feira, outubro 22, 2010
Save the World (II)
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Pra quem acha que o Green Peace é radical...
... o suicídio ecologicamente correto deve ser novidade.
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Pra quem acha que o Green Peace é radical...
... o suicídio ecologicamente correto deve ser novidade.
quinta-feira, outubro 21, 2010
quarta-feira, outubro 20, 2010
A ópera pop de Cibele
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A internacionalidade verde-amarela que conferiu à Cibele o status de cult singer auto-exilada da nova MPB (que superou as preocupações tropicalistas e se concentra num resumo enxuto do Brasil-no-mundo) é, ao mesmo tempo, um trunfo estético num mercado global semi-esgotado pela ebulição descontrolada de novidades-por-segundo, e mais uma prova (entulhada atrás de centenas, milhares?, de outras) de que a música brasileira alcança muito mais alto do que querem enxergar os puristas e/ou anacrônicos correlatos, e que há muito tempo dispensou qualquer carimbo extravagante que a reduza à categoria de exótico.
Las Venus Resort Palace Hotel – o último disco da cantora, lançado na Europa no começo do ano e que só ganhou edição nacional agora no segundo semestre, é a corporificação indiferente dessa postura, e dança suavemente entre sussurros bilíngues, silêncios psicodélicos e suingue intimista.
E tal qual Serge Gainsbourg em Melody Nelson, em Las Venus... Cibele criou um alter-ego anfitrião para guiar o ouvinte pelo Resort Palace Hotel, último refúgio de um planeta destruído e abandonado por quem teve dinheiro suficiente para migrar para Marte ou Plutão, reduto da nobreza desse cenário pós-apocalíptico. Transportada para o corpo de Sonja Khalecallon, Cibele – a deusa mãe, divindade oriental da fertilidade da natureza –, e a partir do único hotel da Terra (batizado com o nome da deusa romana do amor), desfia sua ópera pop anglo-amazônica com a suavidade espacial de, por exemplo, “Man from Mars”, o maximalismo sexy de “Lightworks” e a lisergia de guitarras chapadas de “Sapato Azul”, oscilando habilidosamente entre o desbunde calculado do neo-hippismo e a contenção less is more do modernismo, com a naturalidade satisfeita de quem assiste ao pôr do sol da varanda de casa.
Mas não é um disco de consumo fácil, de assimilação ligeira. Assim como qualquer mulher muito bonita, cada uma de suas 14 faixas faz certo cu doce e só se revela por completo nos detalhes, concedidos e apreendidos palmo a palmo em repetidas e atenciosas audições. Mas uma vez desvendado, a suave atmosfera que se vale da eletrônica para embalar o que, num epítome impreciso, dá pra chamar de bossa-pop, o álbum escancara suas filigranas para se expor por inteiro numa obviedade desconcertante.
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A internacionalidade verde-amarela que conferiu à Cibele o status de cult singer auto-exilada da nova MPB (que superou as preocupações tropicalistas e se concentra num resumo enxuto do Brasil-no-mundo) é, ao mesmo tempo, um trunfo estético num mercado global semi-esgotado pela ebulição descontrolada de novidades-por-segundo, e mais uma prova (entulhada atrás de centenas, milhares?, de outras) de que a música brasileira alcança muito mais alto do que querem enxergar os puristas e/ou anacrônicos correlatos, e que há muito tempo dispensou qualquer carimbo extravagante que a reduza à categoria de exótico.
Las Venus Resort Palace Hotel – o último disco da cantora, lançado na Europa no começo do ano e que só ganhou edição nacional agora no segundo semestre, é a corporificação indiferente dessa postura, e dança suavemente entre sussurros bilíngues, silêncios psicodélicos e suingue intimista.
E tal qual Serge Gainsbourg em Melody Nelson, em Las Venus... Cibele criou um alter-ego anfitrião para guiar o ouvinte pelo Resort Palace Hotel, último refúgio de um planeta destruído e abandonado por quem teve dinheiro suficiente para migrar para Marte ou Plutão, reduto da nobreza desse cenário pós-apocalíptico. Transportada para o corpo de Sonja Khalecallon, Cibele – a deusa mãe, divindade oriental da fertilidade da natureza –, e a partir do único hotel da Terra (batizado com o nome da deusa romana do amor), desfia sua ópera pop anglo-amazônica com a suavidade espacial de, por exemplo, “Man from Mars”, o maximalismo sexy de “Lightworks” e a lisergia de guitarras chapadas de “Sapato Azul”, oscilando habilidosamente entre o desbunde calculado do neo-hippismo e a contenção less is more do modernismo, com a naturalidade satisfeita de quem assiste ao pôr do sol da varanda de casa.
Mas não é um disco de consumo fácil, de assimilação ligeira. Assim como qualquer mulher muito bonita, cada uma de suas 14 faixas faz certo cu doce e só se revela por completo nos detalhes, concedidos e apreendidos palmo a palmo em repetidas e atenciosas audições. Mas uma vez desvendado, a suave atmosfera que se vale da eletrônica para embalar o que, num epítome impreciso, dá pra chamar de bossa-pop, o álbum escancara suas filigranas para se expor por inteiro numa obviedade desconcertante.
terça-feira, outubro 19, 2010
segunda-feira, outubro 18, 2010
Vivendo do ócio
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"Talvez tudo que eu disse não tenha sentido...
... meu bem, não se preocupe que depois eu te explico"
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"Talvez tudo que eu disse não tenha sentido...
... meu bem, não se preocupe que depois eu te explico"
sexta-feira, outubro 15, 2010
O dvd do Macaco Bong
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Num esquema de captação de imagens colaborativo...
... o Macaco Bong vai montando seu primeiro dvd com imagens capturadas pelo próprio público.
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Num esquema de captação de imagens colaborativo...
... o Macaco Bong vai montando seu primeiro dvd com imagens capturadas pelo próprio público.
Planeta Terra, cidade Goiânia
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Mês passado, cumprindo pauta pra edição brasileira da revista Vice, fui atrás de algumas das vítimas diretas do acidente com o Césio 137 (lembra disso?), pra trocar uma ideia e descobrir qual a situação atual dessa turma que enfrentou uma barra tão pesada em 1987. O magazine já saiu da prensa e está nas ruas, mas como nem todo mundo mora em São Paulo, Rio, ou qualquer outro lugar que a distribuição da revista alcance de fato, copiei/colei a reportagem (que também está disponível no site da revista) aí embaixo.
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Mês passado, cumprindo pauta pra edição brasileira da revista Vice, fui atrás de algumas das vítimas diretas do acidente com o Césio 137 (lembra disso?), pra trocar uma ideia e descobrir qual a situação atual dessa turma que enfrentou uma barra tão pesada em 1987. O magazine já saiu da prensa e está nas ruas, mas como nem todo mundo mora em São Paulo, Rio, ou qualquer outro lugar que a distribuição da revista alcance de fato, copiei/colei a reportagem (que também está disponível no site da revista) aí embaixo.
Armazenamento do lixo radioativo.
Foto: Autor Desconhecido.
UMA HISTÓRIA QUE
NÃO BRILHA NO ESCURO
NÃO BRILHA NO ESCURO
Planeta, Terra. Cidade, Goiânia. Vinte e três anos depois do maior acidente radioativo do mundo fora de usinas nucleares, as vítimas do Césio 137 ainda lamentam os seus mortos e reclamam a atenção do Estado.
No dia 13 de setembro de 1987, catadores de sucata invadiram o prédio abandonado do extinto Instituto Goiano de Radioterapia e levaram de lá um aparelho radiológico que venderam a Devair Ferreira, dono de um ferro-velho nas imediações. Devair desmontou a peça a marretadas para retirar e vender as partes de chumbo. Ficou tão encantado com o brilho azul do misterioso pó branco/azulado que descobrira em seu interior que resolveu mostrar seu “achado” aos vizinhos e familiares - alguns chegaram a levar amostras para suas casas. O que não sabiam era que estavam espalhando vários focos de contaminação radioativa, pois o tal pó era cloreto de Césio 137—um isótopo radioativo produzido artificialmente pela fissão do urânio ou plutônio.
Logo depois de as autoridades tomarem conhecimento da gravidade da situação, cerca de uma semana após a exposição da cápsula de Césio ao ambiente, enviaram um ônibus cheio de moradores da região contaminada para o antigo Estádio Olímpico, que serviu de área de quarentena até que se decidisse, dali a alguns dias, pela remoção das vítimas para um prédio vazio no Jardim Europa, região Sudoeste de Goiânia, onde ficariam em completo isolamento pelos próximos quatro ou cinco meses, sem direito a informação — rádio e televisão eram expressamente proibidos.
Hoje, 23 anos depois, o número de mortes ligadas diretamente ao incidente é estimado na casa das dezenas, ainda que as fontes oficiais só confirmem alguns poucos óbitos. E quanto aos sobreviventes, divididos em grupos segundo o grau de contaminação, a polêmica é ainda maior. A cápsula radioativa já havia provocado um turbilhão de consequências-que-geram-consequências ainda em misteriosa atividade.
Recentemente, toquei a campainha de uma casa simples na periferia de Aparecida de Goiânia, cidade já quase engolida pela capital, pouco antes das 10 horas da manhã de um sábado de sol. Dona Lourdes das Neves, 58 anos, mãe de Leide das Neve ( a menina que, com seis anos em 1987, comeu um pão contaminado e foi uma das primeiras vítimas fatais da cápsula de Césio 137), me atendeu com uma simpatia inesperada.
Mas mais de duas décadas depois, pessoas como Dona Lourdes não parecem guardar esperanças de que as devidas culpas, que de tão divididas acabaram diluídas, sejam de fato assumidas ou apontadas pelas autoridades, e têm um discurso pronto, ensaiado ao longo dos anos em tantas entrevistas concedidas, para desfiar uma história de horror tão mal contada quanto “bem” escondida.
Odesson Alves Ferreira, 55 anos, também é uma dessas pessoas. É o presidente da Associação das Vítimas do Césio 137, órgão cujas iniciais formam uma espécie torta de acrônimo, carregado de ironia auto-evidente: AVCésio. E se você acha que Goiânia, em 1987, não chegou a sofrer nada tão grave quanto um, por assim dizer, acidente vascular cerebral, o golpe que a cidade e a vida que nela habitava sofreu — incluindo a minha inocente versão de sete anos de idade — foi tão violento e enigmático que a comparação em tom de humor-negro não é descabida, ainda mais levando-se em conta que, além de tudo, parte significativa do ocorrido se perdeu para todo o sempre.
Tanto Odesson quanto Dona Lourdes pertencem ao Grupo 1, que reúne as vítimas que sofreram contaminação direta. Sem monitoramento médico específico há cerca de 15 anos, doenças como atalectasia, bronquite, amigdalite, prostatite, esteatose hepática, otite, hipertensão, gastrite e artrite se acumulam em seus prontuários médicos, às vezes simultaneamente, sem que estudos sobre os possíveis nexos causais entre a radiação recebida e o aparecimento, precoce ou não, desses e de outros males, sejam realizados.
De volta à casa simples de Dona Lourdes, depois de ensaiar um sorriso tímido para me confirmar uma esperança anêmica de que finalmente as coisas melhorem, enxergo, por um milésimo de segundo, certa surpresa cansada em seu olhar ao ouvir meu pedido por um copo d’água (depois de anos enfrentando olhares mais que desconfiados, as vítimas, em geral, praticam a arte da cautela extrema em qualquer relação, por mais efêmera que seja). Depois de me servir a água, dona Lourdes seguiu narrando o isolamento que começou na semana seguinte ao acidente e que, guardadas as proporções do contexto que o tempo se encarregou de atenuar (mas não apagar), se perpetua até hoje.
Apesar de se queixar de que suas lembranças do período são embaralhadas, o que ela atribui ao fato de ter sido “mantida constantemente dopada”, dona Lourdes garante que seu único contato com o mundo exterior durante os meses de isolamento era com jornalistas, mas que, ainda segundo palavras dela, todos eles já vinham preparados pelas autoridades sobre o que podiam, ou não, dizer às vítimas sobre o que havia acontecido lá fora.
E me confessa, ainda com um sorriso contido, que sua situação emocional estava tão dilacerada pelo isolamento, as mortes da cunhada e da filha, a incerteza do futuro e a angústia da desinformação, que hoje sente saudades dos repórteres da televisão que vieram cobrir o caso do Césio, na época: “Eu sou muito de acompanhar jornal, sabe, e hoje fico vendo esses repórteres que vieram pra cá na época, e me dá uma saudade... A gente tava tão carente, que se apegou demais a eles, que eram muito carinhosos, atenciosos mesmo com a gente”.
Já Odesson é menos sentimental e mais pragmático, e ainda que não critique abertamente o trabalho da imprensa na cobertura do caso ao longo dos anos, se ressente do fato de que, segundo ele, a versão oficial prevalece na maioria das matérias sobre o assunto, o que ameniza ou mesmo anula as reivindicações das vítimas. Vítimas que, garante, vêm perdendo assistência desde a extinção da Fundação Leide das Neves, em 1999, operada pelo governo Marconi Perillo (novamente líder das pesquisas para o cargo nas eleições 2010). Por causa da burocracia enfrentada pela “substituta” Superintendência Leide das Neves, a Suleide, que por ser apenas uma unidade administrativa da Secretaria Estadual de Saúde não tem poder de decisão (ao contrário da Fundação Leide das Neves, que gozava de ampla autonomia), uma série de distorções assustadoras se abateu sobre os beneficiários, como interrupções de até um ano e redução pela metade no fornecimento de medicamentos. À época, o então governador justificou a manobra da extinção da Funleide e da criação da Suleide apenas como um dos efeitos de uma reforma administrativa.
Jorge de Moraes atualmente mora no estado do Amazonas, mas em 1987 dirigiu um dos caminhões que fizeram a remoção e o transporte das seis toneladas de lixo radioativo (as casas contaminadas foram demolidas literalmente com tudo dentro, móveis, utensílios, roupas etc.) para o depósito em Abadia de Goiás. Por coincidência ou não, já havia sido motorista do Instituto de Energia Nuclear na Ilha do Fundão—RJ, onde diz ter feito um ligeiro curso de proteção em caso de acidente radiológico, mas nada além de noções dos procedimentos de evacuação e primeiros socorros. Mesmo à distância, quando questionado sobre o real alcance da contaminação em 1987, afina o discurso com Odesson e dona Lourdes. Acredita seriamente que a irradiação alcançou uma quantidade realmente muito maior de pessoas do que rezam os números oficiais. E se impressiona com o fato de que a maioria dessas pessoas simplesmente não tenha nenhuma noção, até hoje, de que teve contato próximo, por exemplo, com a própria pedra de Césio — e que assim tenham, além de se contaminado, irradiado também seus filhos, esposas e maridos.
Dona Lourdes das Neves já havia me confirmado que, além dos vizinhos contaminados que viajaram para Anápolis (cidade distante 50 km da capital) antes de as autoridades começarem a agir, sua cu-nhada, Maria Gabriela, esposa de Devair Ferreira, havia circulado de ônibus carregando a bomba de Césio 137 e expondo não só aquelas pessoas que se encontravam dentro do veículo no percurso de sua viagem, mas também muitas outras que tomaram, nas viagens e dias seguintes, aquele ônibus incógnita e diretamente irradiado. Sem levar em conta o dinheiro manipulado pelas vítimas ali dentro, que também seguiu circulando livremente.
O próprio Odesson, então motorista de ônibus da Rápido Araguaia, até hoje uma das principais empresas de transporte urbano coletivo de Goiânia, trabalhou normalmente durante uma semana inteira depois de ter esfregado o pó de Césio na palma de uma das mãos, para testar sua consistência—como consequência, perdeu dois dedos e convive até hoje com uma “bola” na palma da mão esquerda. A remoção do lixo radioativo, da qual Jorge de Moraes foi parte integrante, também foi feita de maneira tradicional, sem roupa antirradiação ou maiores cuidados. Ou seja, a coisa já havia fugido de qualquer controle muito antes das autoridades tomarem conhecimento do acontecido, processarem a história e, tateando no escuro, tomarem as primeiras providências.
Foto esquerda: Contaminação/Radioatividade com Césio 137 em Goiânia.
Foto produzida em 26/10/87 por Wilson Pedrosa/Cpdoc JB. Foto direita: O
Instituto de Energia Nuclear da Ilha do Fundão recebendo e processando os
rejeitos nucleares que chegam do Hospital Marcílio Dias, onde estavam os
goianos contaminados pela radioatividade do Césio 137.
06/10/87 por Mauro Nascimento/Cpdoc JB.
Foto produzida em 26/10/87 por Wilson Pedrosa/Cpdoc JB. Foto direita: O
Instituto de Energia Nuclear da Ilha do Fundão recebendo e processando os
rejeitos nucleares que chegam do Hospital Marcílio Dias, onde estavam os
goianos contaminados pela radioatividade do Césio 137.
06/10/87 por Mauro Nascimento/Cpdoc JB.
O falecido jornalista Weber Souza dirigia, na época, um dos programas de maior audiência da TV local, o popularesco Goiânia Urgente, da extinta TV Goiás—então afiliada ao SBT, e foi o primeiro não-membro do governo a perceber alguma coisa errada no ar, depois de uma infrutífera tentativa de matéria sobre intoxicação alimentar no Hospital de Doenças Tropicais. Por causa da falta de intoxicados, a matéria ganhou novo enfoque e se adaptou a uma pauta misteriosa, sugerida pelos enfermeiros: intoxicação atômica. De volta ao estúdio, Weber assistiu, com fones de ouvido, às gravações da matéria e, segundos antes da câmera parar de gravar, teria ouvido alguém sussurrar, lá no fundo: “O Faleiros [então secretário da Saúde] vai ferrar a gente”. Weber relata, além desse, vários outros episódios sobre o acidente em seu livro Eu Também Sou Vítima—A Verdadeira História Sobre o Acidente com o Césio 137 em Goiânia, cujo título não faz menção à própria contaminação, incrivelmente negada pelos testes, mas, sim, ao curioso episódio em que, durante a repercussão do caso na imprensa, foi convidado para o programa de Hebe Camargo e aproveitou a janela em rede nacional para convocar a presença do então presidente José Sarney em Goiânia, solicitando também que o chefe do governo levasse sua esposa Marly Sarney, antes de seguir viagem para a Colômbia (destino que precedia a visita federal à cidade atingida pelo Césio no roteiro de viagem presidencial). O presidente Sarney veio, mas a audácia do jornalista lhe custou o emprego (há quem diga que o Planalto reclamou diretamente com Sílvio Santos, que deu a ordem de “cortar a cabeça” de Weber). Porém, esse foi o estalo para a confecção do livro e para a catalogação ostensiva de um vasto acervo sobre o acidente radiológico, doado à AVCésio pouco antes de sua morte, em 2007. No livro, Weber relata ainda uma história que mais parece roteiro de filme do Buñuel.
Durante o processo de descontaminação da Rua 57, onde tudo estava demarcado e fechado pela polícia, com soldados de prontidão e gente lavando o Césio das calçadas, Weber conta que viu ao lado a movimentação de um pessoal em “roupas de domingo”. Curioso, foi lá e perguntou o que estava acontecendo, ao que responderam que estavam lá para se casar. “O noivo me disse: ‘Em nome de Deus, nós vamos nos casar’. Eu expliquei que eles estavam a um metro do local do acidente radiológico, mas ele me disse: ‘Deus vai nos proteger. Não vai acontecer nada com a gente’. Percebendo a cena inusitada, decidi assistir e filmar o casamento. Eu estava de macacão, luva e máscara. Me senti um Federico Fellini. Estava filmando de joelhos para não assustar as pessoas, principalmente as crianças. A máscara preta, que simulava uma boca de cachorro, era assustadora. De repente, no final do corredor, vejo um latão, que estava na porta da igreja Assembleia de Deus. Jorge Pontual, então editor do Globo Repórter, da TV Globo, viu a gravação e ficou impressionado. A cena era mesmo meio surrealista, mas não para os noivos e seus convidados, que estavam alheios ao frenesi externo”.
Isso sem falar na história de tons bizarros que reza que soldados da polícia montada foram escalados sem seus cavalos para a vigilância do lixo radioativo, numa inversão alucinada que supostamente pretendia preservar os animais da irradiação. Ou ainda o sumiço dos cérebros das quatro primeiras vítimas fatais que, segundo Weber diz ter sido informado, haviam desaparecido do Hospital Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. E, para dar cores ainda mais apocalípticas ao cenário, houve até quem pregasse que o acidente havia sido profetizado por Nostradamus: “Centúrias 5, Quadra 57!”.
Mas como qualquer outra catástrofe de grande apelo (dramático, jornalístico...), o acidente com o Césio ecoou também no cenário cultural da cidade, e a catástrofe humana de suas vítimas foi traduzida nas mais variadas expressões artísticas. Nas artes plásticas, a obra mais emblemática talvez seja a série de esculturas batizada de “Vestígios—Série Césio” (Camas—objetos escultóricos), de Siron Franco. Na literatura, um bom exemplo é o livro do jornalista Fernando Pinto, A Menina que Comeu Césio, que apesar do tom de denúncia não deixa de se utilizar de recursos literários. No cinema, o filme do diretor Roberto Pires, Césio 137—O Pesadelo de Goiânia, com os globais Joana Fomm e Stepan Nercessian. Na música, talvez as manifestações mais contundentes tenham vindo de duas bandas de rock. Ainda sob a ameaça de consequências desconhecidas, no início dos anos 90, o trio punk HC 137—Horrores do Césio 137—abusou do tema em seus dois LPs (Nas Coxas, 1991, e Made in GO, 1992). E, no fim da década, uma das principais bandas do período, a Punch, batizou seu primeiro disco de Cesium 137, também enxertando o assunto em toda a obra.
Atualmente, Dona Lourdes, mesmo que não aparente amargura, não tem lá muitas esperanças de que a coisa se resolva de fato, mas ainda reclama uma assistência médica condizente com sua situação, e ressente-se profundamente da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear): “Eu acho que eles nem lembram de mim mais, nem sabem que eu existo. O monitoramento já parou há uns 15 anos. Hoje a preocupação deles é com o centro lá de Abadia [depósito do lixo radioativo]. Um dia eu fui lá e fiquei morrendo de vergonha, me senti um lixo. Pensei, poxa, o lixo radioativo são as vítimas, são os seres humanos que estão tentando sobreviver. Lá é um luxo, e a gente assim, sem assistência. Antes de chegar lá eu tava com sede, mas aí, quando eu entrei e vi, perdi a sede na hora. Me ofereceram água, café, suco e eu não aceitei nada. Deu um nó aqui assim”.
Odesson, Jorge e Sueli Lina Moraes Silva—secretária da AVCésio—engrossam sua reclamação sobre a falta de interesse da comunidade científica sobre o caso, já que não há sequer acompanhamento médico especializado para estudos comparativos sobre a evolução do contaminado por radiação ao longo dos anos: “Eu fico pensando, a gente está aí à disposição de quem quiser estudar, aprender com a gente. Tamo quase se jogando pros médicos, mas não têm interesse, tem uns que parecem que têm é medo”.
Mas depois de tantos anos de indiferença, pela primeira vez nessa história o Poder Judiciário de Goiás tomou a iniciativa e convocou as vítimas para uma audiência pública no último dia 17 de agosto, com a intenção de reunir todos os processos—já que o Tribunal de Justiça não os cataloga por assunto—, inclusive os que ainda estão na esfera administrativa, e dar uma demanda natural a eles. E, para isso, o presidente do TJ, Paulo Teles, solicitou, tanto pelas vias oficiais quanto pela imprensa local, a colaboração da cúpula da PM e do governo do Estado: “Algumas pendências estão nas informações da Polícia Militar. O comandante por certo que colocará à disposição do Judiciário esses instrumentos para que as ações possam ter um desenvolvimento maior”.
Questionados por esta reportagem a respeito da audiência que reuniu cerca de 400 pessoas, tanto dona Lourdes e Odesson quanto dona Sueli—também vizinha de um dos focos de contaminação—, Danúbio Cardoso—advogado voluntário da AVCésio que defende tese de mestrado na Universidade de Lisboa sobre o assunto—e o ex-motorista Jorge de Moraes manifestaram algum grau de otimismo moderado frente à ação do Tribunal de Justiça, ainda que Odesson seja o mais reticente em comemorar: “A princípio diria que foi um bom evento sim, talvez pelo fato de ser inédito e ter partido do próprio presidente, porém ainda tenho dúvidas do sucesso porque a maioria dos processos está no âmbito administrativo, e também tem o agravante de que muitos deles ninguém sabe onde estão. (...) Houve muitos agravos e os vitimados decepcionados não sabem onde ‘enfiaram’ os recibos do protocolo”.
E quando perguntado sobre se a experiência de 87 serviu para nos proteger de incidentes semelhantes no futuro, Odesson vai além, afirmando que um novo acidente teria consequências iguais ou piores, já que a maioria dos médicos e peritos que adquiriu experiência na época está ou morta ou aposentada, e que muito pouco conhecimento científico sobre o assunto foi produzido. Alerta ainda para o desaparecimento de outra cápsula de Césio, que teria ocorrido numa Universidade de Belo Horizonte há poucos meses: “Imagina isso nas mãos de malfeitores?”.
Concretamente, o fato é que, das 1.600 vítimas que, segundo a AVCésio (respaldada pelo Ministério Público), teriam direito à assistência médica, pensão e/ou indenização, apenas cerca de 470 recebem algum ou alguns destes benefícios. A pensão vitalícia estadual, de R$ 510,00 a R$ 822,00, e a federal, de R$ 510,00, só é acumulada por cerca de 250 destas 470 pessoas (numa conta que vai de R$ 1.020,00 a R$ 1.332,00), e as únicas vítimas que recebem valores maiores que a somatória do teto das duas pensões são as que foram consideradas incapazes para o trabalho.
quinta-feira, outubro 14, 2010
SWU
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Acompanhando a repercussão dos dois últimos dias do SWU, tive que amargar um arrependimento tardio de não ter chutado o balde e ficado lá em Itú. Mas como o capitalismo rules, cá estou moído de remorso por ter ido ver o Mars Volta fazer o que eu julgava impossível e mesmo assim ter tido coragem de abandonar a festa antes de gente como Regina Spektor, Kings of Leon, Dave Matthews Band, Queens os the Stone Age e Incubus cumprirem seus papéis.
Mas o gosto que o SWU deixou pra quem, assim como eu, só se permitiu participar do sábado – primeira das três noites, foi tão saboroso que o pesar por ter perdido alguns dos shows mais interessantes do planeta hoje fica quase consolado pela lembrança da monstruosa convulsão coletiva provocada pela força assustadora da apresentação do Rage Against the Machine, pela impressionante exatidão do radicalismo instrumental do Mars Volta, pela candura psicodélica de um Mutantes remendado-mas-ainda-comovente, ou até pela surpreendente eficiência do frenetismo dançante do Infectious Grooves.
Enfim, ainda que eu tenha tido que abortar a apoteose no início, dá pra dizer que a festa foi bonita (e não me interessa se você, infeliz acampado, sofreu horas por dia para conseguir comer ou tomar um banho).
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Acompanhando a repercussão dos dois últimos dias do SWU, tive que amargar um arrependimento tardio de não ter chutado o balde e ficado lá em Itú. Mas como o capitalismo rules, cá estou moído de remorso por ter ido ver o Mars Volta fazer o que eu julgava impossível e mesmo assim ter tido coragem de abandonar a festa antes de gente como Regina Spektor, Kings of Leon, Dave Matthews Band, Queens os the Stone Age e Incubus cumprirem seus papéis.
Posicionamento estratégico diante do palco do Mars Volta.
Foto: Luiz Antena
Foto: Luiz Antena
Mas o gosto que o SWU deixou pra quem, assim como eu, só se permitiu participar do sábado – primeira das três noites, foi tão saboroso que o pesar por ter perdido alguns dos shows mais interessantes do planeta hoje fica quase consolado pela lembrança da monstruosa convulsão coletiva provocada pela força assustadora da apresentação do Rage Against the Machine, pela impressionante exatidão do radicalismo instrumental do Mars Volta, pela candura psicodélica de um Mutantes remendado-mas-ainda-comovente, ou até pela surpreendente eficiência do frenetismo dançante do Infectious Grooves.
Enfim, ainda que eu tenha tido que abortar a apoteose no início, dá pra dizer que a festa foi bonita (e não me interessa se você, infeliz acampado, sofreu horas por dia para conseguir comer ou tomar um banho).
sexta-feira, outubro 08, 2010
"I don't believe in Beatles"
quinta-feira, outubro 07, 2010
A construção de um casarão.
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Como você já sabe, assíduo leitor, o Abdala é, além de chapa aqui do grnews, um DJ dos bons, editor do Tapetes Sírios (onde o disco aí embaixo está disponível para download) e ainda arruma tempo pra pintar por aqui e oferecer alguns toques preciosos pra quem gosta de música com EME maiúsculo. Desta vez, o conselho musical do amigo vem da Bahia e tem “tudo” a ver com a axé music. Siga a linha:
Como de costume, depois de um algum período pós lançamento dos discos, eu apareço aqui com impressões determinadas pela lente enfumaçada dos fatos.
Enquanto uma determinada parcela de pessoas se apropria de forma fajuta dos grooves e graves que voltaram de forma surpreendente em todo o mundo, existem indivíduos que vivem com afinco e constroem algo bem semelhante a uma casa. Um lugar para viver, enfrentar as confusões mentais, decorar de acordo com a vivência, festejar e, como não podia deixar de ser, arcar com as contas e prejuízos.
Letieres Leite é músico, compositor, arranjador e produtor. Trabalha com Ivete Sangalo, mas as qualidades superam esse fato. É excepcional saxofonista e flautista e com toda certeza sabe pensar e fazer música instrumental como deve ser feita, longe do padrão moderno, que fique bem claro.
Ele é o grande responsável pela Orkestra Rumpilezz, onde 12 instrumentos de sopro e 5 percussões criam iguarias que remetem aos momentos de maior frescor do mestre Moacir Santos. A diferença fica por conta do grande mergulho no universo do candomblé e a enorme força que os tambores tem em suas composições.
Outro dia, depois ouvir bastante seu disco lançado pela Biscoito Fino e premiado como melhor grupo e revelação do ano no 21º Prêmio da Música Brasileira, fui procurar no Youtube por apresentações ao vivo. Achei um vídeo produzido pela UrbeTV, logo após uma apresentação. No vídeo ele fala que esse trabalho vem sido desenvolvido desde os anos 80, e acho que isso já revela tudo sobre porque eu digo que certas coisas são como construir uma casa:
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Como você já sabe, assíduo leitor, o Abdala é, além de chapa aqui do grnews, um DJ dos bons, editor do Tapetes Sírios (onde o disco aí embaixo está disponível para download) e ainda arruma tempo pra pintar por aqui e oferecer alguns toques preciosos pra quem gosta de música com EME maiúsculo. Desta vez, o conselho musical do amigo vem da Bahia e tem “tudo” a ver com a axé music. Siga a linha:
Letieres Leite
e Orkestra Rumpilezz
e Orkestra Rumpilezz
Como de costume, depois de um algum período pós lançamento dos discos, eu apareço aqui com impressões determinadas pela lente enfumaçada dos fatos.
Enquanto uma determinada parcela de pessoas se apropria de forma fajuta dos grooves e graves que voltaram de forma surpreendente em todo o mundo, existem indivíduos que vivem com afinco e constroem algo bem semelhante a uma casa. Um lugar para viver, enfrentar as confusões mentais, decorar de acordo com a vivência, festejar e, como não podia deixar de ser, arcar com as contas e prejuízos.
Letieres Leite é músico, compositor, arranjador e produtor. Trabalha com Ivete Sangalo, mas as qualidades superam esse fato. É excepcional saxofonista e flautista e com toda certeza sabe pensar e fazer música instrumental como deve ser feita, longe do padrão moderno, que fique bem claro.
Ele é o grande responsável pela Orkestra Rumpilezz, onde 12 instrumentos de sopro e 5 percussões criam iguarias que remetem aos momentos de maior frescor do mestre Moacir Santos. A diferença fica por conta do grande mergulho no universo do candomblé e a enorme força que os tambores tem em suas composições.
Outro dia, depois ouvir bastante seu disco lançado pela Biscoito Fino e premiado como melhor grupo e revelação do ano no 21º Prêmio da Música Brasileira, fui procurar no Youtube por apresentações ao vivo. Achei um vídeo produzido pela UrbeTV, logo após uma apresentação. No vídeo ele fala que esse trabalho vem sido desenvolvido desde os anos 80, e acho que isso já revela tudo sobre porque eu digo que certas coisas são como construir uma casa:
quarta-feira, outubro 06, 2010
terça-feira, outubro 05, 2010
segunda-feira, outubro 04, 2010
Em busca do elo perdido
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Dia desses cumpri uma pauta pro projeto Elo Perdido, iniciativa do Observatório Fora do Eixo (e patrocinado pela Funarte) que investiga a atual reflexão crítica de alguns dos principais movimentos artísticos brasileiros na nova realidade digital do movimento independente. Escolhi analisar o tema sob uma perspectiva histórica, e o resultado será oficialmente lançado (ao lado dos outros textos selecionados) no e-book do projeto, mas pra facilitar a vida do pessoal que perde tempo visitando isso aqui, arrastei pra cá a íntegra do texto, que você pode seguir aí embaixo. Good reading.
Em meados dos anos 90, o conceito de regionalismo universalista expresso no manifesto do movimento Manguebeat, que pautaria boa parte da produção musical independente brasileira na década e cuja imagem definitiva é a da parabólica enfiada na lama do mangue, atualizava um adágio tropicalista, na medida em que nivelava a importância da influência da tradição regional e nacional com qualquer referência estrangeira que valesse a pena. É claro que a conjuntura que elevou Chico Science & Nação Zumbi a categoria de símbolo máximo do movimento de maior renovação conceitual da música popular brasileira desde a Tropicália (e que, observadas as diferenças geográficas e de contexto, pode ser entendido como um eco atávico da própria), era bem menos polarizado que o cenário convulsivo do Brasil pós-64 e pré-AI-5.
Vítima da doutrina revolucionária que submetia a arte ao atendimento de suas pretensões políticas imediatas (gestada e difundida a partir do CPC. – Centro Popular de Cultura, órgão da UNE – União Nacional dos Estudantes – oficialmente extinto ainda em 64), a música popular brasileira de então sofria um ostensivo processo de limitação de conteúdo, restringido ao “denuncismo” de temática estritamente nacional (e de cores socialistas), que combatia ferozmente a “alienação” das nossas primeiras versões do florescente rock internacional, encarnadas na ingenuidade das guitarras da turma de Roberto Carlos, então um ídolo adolescente. Mas é claro que apesar da radicalização dos discursos depois do golpe militar, o mapa da MPB ainda mantinha fronteiras borradas, e músicos da bossa nova (que, apesar de outrora acusada de contaminar o samba com os estrangeirismos do jazz, ainda mantinha proximidade com os teóricos cepecistas e a ala purista da MPB) que recusavam a circunscrição da música ao panfletarismo político de esquerda, e admiradores da jovem guarda que não dispensavam seus discos de samba tradicional, ainda que em franca minoria, observavam tudo em relativa passividade. Pelo menos até 1967.
Vindo da Bahia, um grupo de artistas fascinado por João Gilberto, Beatles e Oswald de Andrade ensaiava seus primeiros passos no Rio de Janeiro, a capital cultural do Brasil sessentista. Acompanhando a irmã Maria Bethânia (que fora ao Rio de Janeiro para substituir Nara Leão no show Opinião, um eco clandestino da arte cepecista), em 1967 Caetano Veloso lançou seu primeiro disco, “Domingo”, dividido com Gal Costa e que reverenciava a tradição pelas mãos modernizadoras da bossa nova. Ainda assim, “Domingo” era a reprodução de um modelo já criado, a síntese do samba pela bossa nova, e mesmo que Caetano ainda não tivesse explorado o principal de sua ânsia pelo novo, derramava elogios à vocação de Gal Costa para a vanguarda, declarando textualmente no encarte do disco: “Gal participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto contemporâneo, lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de quem relembra velhas musiquinhas”.
Nesse mesmo texto também flertava com a Contradição que seria posteriormente assumida como diretriz, se declarando já desviado do caminho sugerido por sua estréia: “(…) minha inspiração agora está tendendo pra caminhos muito diferentes dos que segui até aqui. (…) A minha inspiração não quer mais viver apenas de nostalgia de tempos e lugares, ao contrário, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro.” Traduzindo para o português claro, Caetano não via razão para se obrigar a escolher entre o tradicional ou o moderno, entre o nacional ou o estrangeiro, entre isso ou aquilo. Assim como seus futuros comparsas tropicalistas, não queria saber de exclusões prévias e exigia direito pleno tanto ao antigo, à tradição, quanto ao novo, às vanguardas do mundo: a isso e aquilo.
O emblemático III Festival de Música Popular Brasileira, ainda em 1967, onde Gilberto Gil e Caetano Veloso libertaram, debaixo de vaias intensas, a MPB dos grilhões de uma esquerda maniqueísta, filha direta da guerra fria, foi um apogeu impensado: acompanhados respectivamente pel’Os Mutantes em “Domingo no Parque” e pelos argentinos do Beat Boys em “Alegria, Alegria”, Gil e Caetano reivindicavam para si tanto as heranças da pop art de Andy Warhol e do desbunde de Beatles e Rolling Stones, quanto o legado do movimento modernista brasileiro. Nascia, a fórceps, a Tropicália, assim batizada pela imprensa que se apropriou do título da instalação homônima do artista plástico Hélio Oiticica (que simulava uma floresta tropical ao redor de um cubo-ambiente onde jazia uma televisão ligada), ele próprio em sintonia fina com as intenções tropicalistas.
No fim de 1968, alguns meses antes de Gal Costa, numa espécie de último suspiro de rebeldia, lançar o disco mais radical da Tropicália (intimamente associado ao psicodelismo pesado que ganhava destaque mundial via movimento hippie), Caetano e Gil foram presos segundo a alegação de desrespeito ao hino e à bandeira nacionais. Em julho de 1969, já sob vigência doAI-5 – Ato Institucional nº5, depois de um show de despedida em Salvador, os dois seguiram para o exílio compulsório em Londres.
Antes disso, ainda em 1968, Caetano havia sido mais uma vez massacrado pelas vaias, tomates e ovos atirados pela platéia de estudantes no III FIC (Festival Internacional da Canção), e no lugar de apresentar “É Proibido Proibir” – canção-colagem inspirada nas pichações de estudantes pelas ruas de Paris em maio daquele ano, reagiu esgoelando um discurso tão raivoso quanto emblemático, onde externava furioso sua repulsa pela padronização de pensamento arrotada com um orgulho cego pela classe universitária engajada:
Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu!(…) O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. (…) se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente.
E antes que a década de 70 se apresentasse o Tropicalismo estava enterrado, sob os olhares transatlânticos de seus principais mentores. Mas mesmo desmontado, o meteórico movimento que sacudira as estruturas da arte brasileira, propondo que não nos privássemos do mundo e fossemos nós mesmos os primeiros a rir de nosso próprio subdesenvolvimento, já havia operado transformações permanentes na música, e seus principais conceitos foram amplamente absorvidos não só pela MPB. Nos anos 70, fruto dos desdobramentos que dividiram Os Mutantes, o guru psicodélico do grupo, Arnaldo Baptista, formatou o que viria a ser a primeira experiência de uma banda brasileira a trabalhar sem gravadora. Pouco depois de sua saída, em 1978, o Patrulha do Espaço gravou aquele que é conhecido como “O Disco Preto”, considerado o marco inicial da música independente no Brasil.
Anos 80 adentro, a experiência tropicalista encontrou ressonância, entre outros, na provocação caleidoscópica da Vanguarda Paulista, movimento inaugurado pelo experimento dodecafônico de Arrigo Barnabé, com Clara Crocodilo, e pelo suingue invertebrado de Itamar Assumpção, com Bebeléu, Bebeléu, e que mantém herdeiros claros entre os indies do novo milênio. Em 1993, sintomaticamente às vésperas da explosão do Manguebeat e da realização das primeiras edições de festivais como o Abril Pro Rock e o Junta Tribo (espécie de gênese do que viria a se tornar o atual circuito de música independente), Caetano e Gil revisitaram o movimento no disco Tropicália 2, onde a conceituação tropicalista foi vistoriada pelos olhos cinqüentenários, porém ainda tão cítricos quanto 25 anos antes, dos dois músicos.
A ruptura estética imposta pelo Tropicalismo, que retorceu a temática nacionalista e escancarou os horizontes da MPB para muito, mas muito além da luta de classes, é o principal espólio deixado pelo movimento, que atravessou as décadas até alcançar a nova música brasileira que, surgida no período de transição do absolutismo padronizador das gravadoras para a tropicalidade pós-moderna onde a pluralidade da música é tão natural quanto a velocidade alucinante com que é compartilhada livremente via web, se ocupa das questões de seu tempo, avançando em campos estéticos tão elásticos que muitas vezes acabam esbarrando no passado para prenunciar todo um futuro de possibilidades em aberto. Tal qual profetizara, quarenta anos atrás, a utopia tropicalista.
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Dia desses cumpri uma pauta pro projeto Elo Perdido, iniciativa do Observatório Fora do Eixo (e patrocinado pela Funarte) que investiga a atual reflexão crítica de alguns dos principais movimentos artísticos brasileiros na nova realidade digital do movimento independente. Escolhi analisar o tema sob uma perspectiva histórica, e o resultado será oficialmente lançado (ao lado dos outros textos selecionados) no e-book do projeto, mas pra facilitar a vida do pessoal que perde tempo visitando isso aqui, arrastei pra cá a íntegra do texto, que você pode seguir aí embaixo. Good reading.
Uma Utopia Tropical
Em meados dos anos 90, o conceito de regionalismo universalista expresso no manifesto do movimento Manguebeat, que pautaria boa parte da produção musical independente brasileira na década e cuja imagem definitiva é a da parabólica enfiada na lama do mangue, atualizava um adágio tropicalista, na medida em que nivelava a importância da influência da tradição regional e nacional com qualquer referência estrangeira que valesse a pena. É claro que a conjuntura que elevou Chico Science & Nação Zumbi a categoria de símbolo máximo do movimento de maior renovação conceitual da música popular brasileira desde a Tropicália (e que, observadas as diferenças geográficas e de contexto, pode ser entendido como um eco atávico da própria), era bem menos polarizado que o cenário convulsivo do Brasil pós-64 e pré-AI-5.
Vítima da doutrina revolucionária que submetia a arte ao atendimento de suas pretensões políticas imediatas (gestada e difundida a partir do CPC. – Centro Popular de Cultura, órgão da UNE – União Nacional dos Estudantes – oficialmente extinto ainda em 64), a música popular brasileira de então sofria um ostensivo processo de limitação de conteúdo, restringido ao “denuncismo” de temática estritamente nacional (e de cores socialistas), que combatia ferozmente a “alienação” das nossas primeiras versões do florescente rock internacional, encarnadas na ingenuidade das guitarras da turma de Roberto Carlos, então um ídolo adolescente. Mas é claro que apesar da radicalização dos discursos depois do golpe militar, o mapa da MPB ainda mantinha fronteiras borradas, e músicos da bossa nova (que, apesar de outrora acusada de contaminar o samba com os estrangeirismos do jazz, ainda mantinha proximidade com os teóricos cepecistas e a ala purista da MPB) que recusavam a circunscrição da música ao panfletarismo político de esquerda, e admiradores da jovem guarda que não dispensavam seus discos de samba tradicional, ainda que em franca minoria, observavam tudo em relativa passividade. Pelo menos até 1967.
Vindo da Bahia, um grupo de artistas fascinado por João Gilberto, Beatles e Oswald de Andrade ensaiava seus primeiros passos no Rio de Janeiro, a capital cultural do Brasil sessentista. Acompanhando a irmã Maria Bethânia (que fora ao Rio de Janeiro para substituir Nara Leão no show Opinião, um eco clandestino da arte cepecista), em 1967 Caetano Veloso lançou seu primeiro disco, “Domingo”, dividido com Gal Costa e que reverenciava a tradição pelas mãos modernizadoras da bossa nova. Ainda assim, “Domingo” era a reprodução de um modelo já criado, a síntese do samba pela bossa nova, e mesmo que Caetano ainda não tivesse explorado o principal de sua ânsia pelo novo, derramava elogios à vocação de Gal Costa para a vanguarda, declarando textualmente no encarte do disco: “Gal participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto contemporâneo, lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de quem relembra velhas musiquinhas”.
Nesse mesmo texto também flertava com a Contradição que seria posteriormente assumida como diretriz, se declarando já desviado do caminho sugerido por sua estréia: “(…) minha inspiração agora está tendendo pra caminhos muito diferentes dos que segui até aqui. (…) A minha inspiração não quer mais viver apenas de nostalgia de tempos e lugares, ao contrário, quer incorporar essa saudade num projeto de futuro.” Traduzindo para o português claro, Caetano não via razão para se obrigar a escolher entre o tradicional ou o moderno, entre o nacional ou o estrangeiro, entre isso ou aquilo. Assim como seus futuros comparsas tropicalistas, não queria saber de exclusões prévias e exigia direito pleno tanto ao antigo, à tradição, quanto ao novo, às vanguardas do mundo: a isso e aquilo.
O emblemático III Festival de Música Popular Brasileira, ainda em 1967, onde Gilberto Gil e Caetano Veloso libertaram, debaixo de vaias intensas, a MPB dos grilhões de uma esquerda maniqueísta, filha direta da guerra fria, foi um apogeu impensado: acompanhados respectivamente pel’Os Mutantes em “Domingo no Parque” e pelos argentinos do Beat Boys em “Alegria, Alegria”, Gil e Caetano reivindicavam para si tanto as heranças da pop art de Andy Warhol e do desbunde de Beatles e Rolling Stones, quanto o legado do movimento modernista brasileiro. Nascia, a fórceps, a Tropicália, assim batizada pela imprensa que se apropriou do título da instalação homônima do artista plástico Hélio Oiticica (que simulava uma floresta tropical ao redor de um cubo-ambiente onde jazia uma televisão ligada), ele próprio em sintonia fina com as intenções tropicalistas.
No fim de 1968, alguns meses antes de Gal Costa, numa espécie de último suspiro de rebeldia, lançar o disco mais radical da Tropicália (intimamente associado ao psicodelismo pesado que ganhava destaque mundial via movimento hippie), Caetano e Gil foram presos segundo a alegação de desrespeito ao hino e à bandeira nacionais. Em julho de 1969, já sob vigência doAI-5 – Ato Institucional nº5, depois de um show de despedida em Salvador, os dois seguiram para o exílio compulsório em Londres.
Antes disso, ainda em 1968, Caetano havia sido mais uma vez massacrado pelas vaias, tomates e ovos atirados pela platéia de estudantes no III FIC (Festival Internacional da Canção), e no lugar de apresentar “É Proibido Proibir” – canção-colagem inspirada nas pichações de estudantes pelas ruas de Paris em maio daquele ano, reagiu esgoelando um discurso tão raivoso quanto emblemático, onde externava furioso sua repulsa pela padronização de pensamento arrotada com um orgulho cego pela classe universitária engajada:
Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu!(…) O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. (…) se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês... O júri é muito simpático, mas é incompetente.
E antes que a década de 70 se apresentasse o Tropicalismo estava enterrado, sob os olhares transatlânticos de seus principais mentores. Mas mesmo desmontado, o meteórico movimento que sacudira as estruturas da arte brasileira, propondo que não nos privássemos do mundo e fossemos nós mesmos os primeiros a rir de nosso próprio subdesenvolvimento, já havia operado transformações permanentes na música, e seus principais conceitos foram amplamente absorvidos não só pela MPB. Nos anos 70, fruto dos desdobramentos que dividiram Os Mutantes, o guru psicodélico do grupo, Arnaldo Baptista, formatou o que viria a ser a primeira experiência de uma banda brasileira a trabalhar sem gravadora. Pouco depois de sua saída, em 1978, o Patrulha do Espaço gravou aquele que é conhecido como “O Disco Preto”, considerado o marco inicial da música independente no Brasil.
Anos 80 adentro, a experiência tropicalista encontrou ressonância, entre outros, na provocação caleidoscópica da Vanguarda Paulista, movimento inaugurado pelo experimento dodecafônico de Arrigo Barnabé, com Clara Crocodilo, e pelo suingue invertebrado de Itamar Assumpção, com Bebeléu, Bebeléu, e que mantém herdeiros claros entre os indies do novo milênio. Em 1993, sintomaticamente às vésperas da explosão do Manguebeat e da realização das primeiras edições de festivais como o Abril Pro Rock e o Junta Tribo (espécie de gênese do que viria a se tornar o atual circuito de música independente), Caetano e Gil revisitaram o movimento no disco Tropicália 2, onde a conceituação tropicalista foi vistoriada pelos olhos cinqüentenários, porém ainda tão cítricos quanto 25 anos antes, dos dois músicos.
A ruptura estética imposta pelo Tropicalismo, que retorceu a temática nacionalista e escancarou os horizontes da MPB para muito, mas muito além da luta de classes, é o principal espólio deixado pelo movimento, que atravessou as décadas até alcançar a nova música brasileira que, surgida no período de transição do absolutismo padronizador das gravadoras para a tropicalidade pós-moderna onde a pluralidade da música é tão natural quanto a velocidade alucinante com que é compartilhada livremente via web, se ocupa das questões de seu tempo, avançando em campos estéticos tão elásticos que muitas vezes acabam esbarrando no passado para prenunciar todo um futuro de possibilidades em aberto. Tal qual profetizara, quarenta anos atrás, a utopia tropicalista.
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sexta-feira, outubro 01, 2010
Dois pesos, duas medidas
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Read about us in the morning papers...
... when we make it alive.
Write About Love, o novo do Belle and Sebastian, tá descendo liso nas primeiras sessões de uma audição cuidadosa, assim como Hands All Over, o último do Maroon 5.
So let me be ...
... and I'll set you free.
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Read about us in the morning papers...
... when we make it alive.
Write About Love, o novo do Belle and Sebastian, tá descendo liso nas primeiras sessões de uma audição cuidadosa, assim como Hands All Over, o último do Maroon 5.
So let me be ...
... and I'll set you free.
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